O presidente interino de Honduras, Roberto Micheletti, tem 65 anos de idade, 29 de Congresso e o sangue quente que se costuma atribuir aos descendentes de italianos. No início da entrevista que concedeu à editora Thaís Oyama, elogiou o presidente Lula, o "encantador povo brasileiro" e reiterou que, ao contrário do que havia sugerido, não mais ordenará nenhuma medida contra a Embaixada do Brasil, mesmo depois de terça-feira, quando se esgota o prazo dado por seu governo para que o país defina o status do "hóspede" Manuel Zelaya. Ao longo da conversa, porém, Micheletti foi dando vazão à contundência, até deixar clara a sua opinião sobre a quem cabe a culpa pela situação em que se meteu Honduras: o presidente venezuelano Hugo Chávez e, também, o governo brasileiro.
A maneira como Manuel Zelaya foi expelido do país – tirado de casa, de pijamas e no meio da madrugada – não foi um erro, já que ajudou a reforçar a ideia de que ele foi vítima de um golpe?
Sim, foi um erro. Mas temos de considerar que as pessoas que foram cumprir essa tarefa estavam com medo – Zelaya tem seguidores e poderia haver um enfrentamento. Eu não tenho responsabilidade por essa decisão. Só fui informado do procedimento à tarde. Mas o que me contaram é que fizeram isso por temor de que ocorresse um conflito.
Mas quem deu a ordem?
A Suprema Corte de Justiça. E o procedimento foi legal.
Incluindo a retirada dele do país? Por que não o prenderam?
Eles (os militares encarregados da tarefa) deveriam tê-lo levado aos tribunais, mas decidiram tirá-lo do país para evitar um derramamento de sangue. Por isso, decidiram levá-lo à Costa Rica. Não haveria uma prisão segura para ele aqui.
O senhor conhece Zelaya muito bem. Como o descreveria?
É uma pessoa que toma decisões impulsivas. Na dificuldade, tem serenidade para aguentar tudo, mas depois planeja a vingança. É um homem que não se deixa decifrar: a palavra dele não dura meia hora. Zelaya nunca cumpriu com sua palavra.
Ele foi eleito pelo mesmo partido que o senhor, o Partido Liberal, mas, no cargo, adotou práticas e discurso de esquerda. Por quê?
Porque se cercou de comunistas de boteco, gente que não faz mais do que falar e falar. Eles o rodearam e o foram convencendo de que dessa forma iria perpetuar-se no poder. Isso nos motivou a que nos preparássemos para defender o país desse comunismo versão século XXI – uma invenção de um louco da América do Sul.
O senhor se refere a Hugo Chávez?
Sim, Zelaya é um boneco de Chávez, que o insuflou com ideias de grandeza, que o fez acreditar que era uma espécie de Bolívar (Simon Bolívar, líder revolucionário venezuelano) ou Francisco Morazán (militar e herói hondurenho). E que também lhe deu dinheiro.
Acredita que Chávez financia Zelaya?
Infelizmente não com o dinheiro dele, mas com o dinheiro do povo da Venezuela.
Qual é o plano de Hugo Chávez para a América Latina?
Fazer um novo império: o império de Hugo Chávez. O homem está vertendo o dinheiro de seu povo em todos os lugares, a fim de comprar apoio, consciências. É um ególatra, um megalomaníaco. Vêm dele todas as dificuldades que estamos passando agora.
O senhor acredita na existência de uma relação dele com o narcotráfico?
Nos últimos oito meses do governo de Zelaya, aqui neste país pousaram dezoito aviões clandestinos com registro venezuelano – todos trazendo drogas ou dólares (Honduras é uma das principais pontes do tráfico de drogas da América Latina para os Estados Unidos). Alguns desses aviões já foram encontrados queimados – os tripulantes retiram a droga das aeronaves e depois ateiam fogo a elas para não deixar pistas. Outros, nós conseguimos capturar. Já nestes três meses em que estamos aqui, apareceram somente dois desses aviões – um nós capturamos e o outro encontramos já queimado (a assessora o corrige, lembrando que recentemente a polícia localizou mais um avião venezuelano queimado). Ah, sim, foram três. Você vê: com a volta de Zelaya, os aviões já começaram a aparecer de novo.
O assessor para assuntos internacionais de Lula, Marco Aurélio Garcia, declarou que "o governo golpista de Honduras é feito de mentirosos". O senhor o conhece?
Não o conheço, mas quero dizer a Marco Aurélio Garcia que tenho 29 anos como congressista e ninguém nunca, nunca disse de Roberto Micheletti que era corrupto ou mentiroso. Nunca! Diga a ele que jamais minto e que posso afirmar no momento que quiser que é ele quem está mentindo, porque aceitou que havíamos queimado a embaixada e lançado gases, que estávamos envenenando as pessoas e instalando aparelhos israelenses lá para enlouquecê-las. Colocou o estado de Israel no meio disso tudo! Outro senhor, esse falastrão do Hugo Chávez, disse que Israel tinha sido o único país que nos havia reconhecido. Não é verdade. Nenhum país do mundo nos reconheceu, mas nos manteremos firmes, com fé em Deus que tudo vai sair bem.
E o que o senhor tem a dizer sobre o segundo adjetivo: "golpista"?
Eu sou presidente do Congresso Nacional e, por isso, obedecendo à Constituição de Honduras, fui nomeado presidente da República por seis meses, na ausência desse senhor que cometeu delitos contra o país, incluindo traição à pátria, além de atos de corrupção que deixam pasmo qualquer um. A mim me cabem seis meses de governo, durante os quais preciso garantir que as eleições aconteçam. Essas eleições não foram programadas pelo meu governo. Estão programadas desde 2008. E o que eu vou fazer é entregar o poder no dia 27 de janeiro de 2010 ao candidato vitorioso, porque assim ordenam que eu faça a lei eleitoral e a Constituição da República. Não pode ser um golpista nem um ditador um homem que assumiu a Presidência obedecendo à Constituição do seu país e que vai embora para casa no dia 27 de janeiro porque assim o determina a lei.
Como funciona hoje o poder em Honduras? Diz-se que as Forças Armadas mandam em tudo e que o senhor obedece.
Isso é mais uma mentira do seu amigo, o senhor Garcia!
Não, não foi ele que disse isso.
Ah, bom, mas quero que diga a ele: este país é constituído por três poderes, Legislativo, Executivo e Judiciário, e os três somos civis. No Executivo manda Roberto Micheletti – e seus ministros. No Legislativo manda o senhor advogado José Alfredo Saavedra, que é o presidente do Congresso. Na Suprema Corte de Justiça, mandam Jorge Avilés e seus catorze magistrados. São os três poderes do estado, fora o Supremo Tribunal Eleitoral, que também é uma entidade independente dos poderes do estado. Aqui, as Forças Armadas só cumprem com sua obrigação constitucional.
Fechar TV, rádio, decretar estado de exceção são coisas que remetem à velha e infeliz tradição de golpismo. Por que o senhor achou necessário tomar essas medidas?
Quer saber por quê? Porque o Brasil, por meio de seu presidente, permitiu que Zelaya convocasse à insurreição e à violência da varanda da sua embaixada. Porque o senhor Lula da Silva não teve a cortesia de chamar esse senhor e dizer a ele: "Pare de fazer isso porque você está prejudicando a população hondurenha". Essa é a resposta. Depois, a lei me ordena que proteja a vida dos cidadãos hondurenhos. A determinação que tomei foi para evitar derramamento de sangue.
O Exército lançou algum tipo de gás dentro da embaixada brasileira?
Essa é uma acusação patética, mais um teatro de Zelaya. Mandamos peritos, médicos para lá, não houve nada. Nada.
Mas um funcionário brasileiro disse ter sentido cheiro de gás.
O que me informaram foi que a embaixada tem três banheiros e estava naquela altura com 160 ou 180 pessoas. Estava com os dutos totalmente cheios, e esses dutos produzem gases. Uns dizem que foi isso. Dizem outros que o que houve foi uma falsidade completa. Por que os vizinhos não sentiram nada? Os jornalistas perguntaram aos vizinhos do lado direito, aos do lado esquerdo e aos da frente da embaixada e ninguém sentiu nada.
O senhor parece bem-disposto para alguém que está à frente de uma crise que já dura três meses.
Sabe por quê? Porque Deus está comigo sempre. Não sou católico de passar na igreja todos os dias, mas rezo sempre e carrego o meu rosário quando vou enfrentar situações difíceis – peço a Deus que me ajude a enfrentar as coisas, porque ele sabe que o meu coração é limpo. Encaro a Presidência interina como uma missão que me foi confiada pelo meu país. Eu era muito feliz como presidente do Congresso.
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