Em 1974, quando a Guerrilha do Araguaia foi desmantelada, nenhum Serviço de Inteligência, em todo o mundo, teria coragem de vaticinar que 14 anos depois o povo cativo da Europa Oriental, nas ruas, com um mínimo de sangue, mas com muito suor e lágrimas, derrubaria o socialismo real, cujo modelo a esquerda radicalizada tupiniquim deseja importar para o Brasil. Tampouco que logo depois, em dezembro de 1991, a bandeira vermelha com a foice e o martelo seria arriada definitivamente do Kremlin, marcando o fim da Pátria do Socialismo e o encerramento de uma era histórica.
No Brasil, os terroristas, assaltantes de bancos, de casas comerciais, e até de residências, os "justiçadores" de companheiros, os seqüestradores de autoridades e de aviões, portadores da "verdade científica" do marxismo-leninismo-stalinismo-trotskismo-pensamento de Mao-Tsetung e Henver Hoxa, foram anistiados. Anistia significa esquecimento. Prova do esquecimento é o fato de que, hoje, alguns estão no Poder, em órgãos do Executivo e do Legislativo. Alguns são ou foram governadores e prefeitos.
Todavia, uma minoria desses ex-terroristas, apoiada por alguns políticos e por órgãos reconhecidamente infiltrados por comunistas (a expressão correta seria: pelos ainda comunistas), buscam promover o 'julgamento' público, num ato explícito de revanchismo, daqueles que, constitucionalmente, os combateram, defendendo a Pátria. Nesse sentido, promovem eventos de 'denúncia de torturadores', na tentativa de derrotarem, hoje, por outros meios - ditos pacíficos - os que os derrotaram.
Nenhuma alusão, no entanto, é feita, por ninguém, aos que perderam suas vidas em decorrência da violência armada que as esquerdas declararam ao regime. Seus nomes não são recordados; suas famílias não promovem passeatas; nada reclamam da Pátria e nada reivindicam ao Estado e a seus governantes, a não ser um mínimo de coerência.
Esses nomes não devem ser esquecidos, desde o primeiro, Carlos Argemiro Camargo, sargento do Exército, morto por um grupo de terroristas comandados pelo coronel reformado do Exército Jefferson Cardim de Alencar Osório, em 28 de março de 1966, no Paraná, até o último, Otávio Gonçalves Moreira Junior, delegado da polícia de São Paulo, em férias no Rio de Janeiro, metralhado em Copacabana, ao sair da praia, por terroristas da ALN, PCBR e VAR-PALMARES, em 25 de fevereiro de 1973.
Durante as operações desenvolvidas na guerra suja do Araguaia, por cerca de 2 anos, para debelar a guerrilha que o PC do B tentou implantar na região, as Forças Armadas sofreram 9 baixas. Antes da morte de qualquer guerrilheiro, dois militares foram mortos: sargento Mario Ibrahim da Silva e cabo Odílio Cruz Rosa; posteriormente um outro desapareceu - soldado Francisco Valdir de Paula -; e 6 foram feridos (três Oficiais, dois Sargentos e um Cabo). Estes terão seus nomes preservados.
Os terroristas, no entanto, nas guerrilhas urbana e rural, não se limitaram a matar os que, constitucionalmente, defendiam o que eles denominavam de "ditadura militar". Foram mais longe. "Julgaram" e mataram vários de seus companheiros, "justiçados", não por terem cometido qualquer crime. Foram assassinados sob a acusação empírica de "fraqueza ideológica", o que era considerado "um perigo em potencial" para as Organizações. Ou seja, aqueles que abandonaram ou pensavam abandonar o "centralismo democrático" e ousaram pensar com suas próprias cabeças foram considerados "perigosos" e pagaram com a vida, pois, algum dia, em algum momento, poderiam colaborar com o "inimigo de classe". Foram eles:
- Antonio Nogueira da Silva Filho, da Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (Var-Palmares), condenado ao "justiçamento" em 1969 (a "sentença" não foi efetivada por ter o "condenado" fugido para o exterior);
- Geraldo Ferreira Damasceno, militante da Dissidência da Var-Palmares (DVP), "justiçado" em 29 de maio de 1970, no Rio de Janeiro;
- Ari Rocha Miranda, militante da Ação Libertadora Nacional (ALN), "justiçado" em 11 de junho de 1970 por seu companheiro Eduardo Leite ("Bacuri"), durante uma "ação", em São Paulo;
- Antonio Lourenço, militante da Ação Popular (AP), "justiçado" em fevereiro de 1971, no Maranhão;
- Marcio Leite Toledo, da Ação Libertadora Nacional (ALN), "justiçado" em 23 de março de 1971 por seu companheiro Carlos Eugênio Sarmento Coelho da Paz;
- Amaro Luiz de Carvalho ("Capivara"), militante do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR) e, posteriormente, do Partido Comunista Revolucionário (PCR), "justiçado" em 22 de agosto de 1971, em Recife, Pernambuco, dentro do presídio onde cumpria pena;
- Carlos Alberto Maciel Cardoso, da Ação Libertadora Nacional (ALN), "justiçado" em 13 de novembro de 1971, no Rio de Janeiro;
- Francisco Jacques Moreira de Alvarenga, da Resistência Armada Nacionalista (RAN), "justiçado" em 28 de junho de 1973 dentro do colégio em que era professor, por um comando da Ação Libertadora Nacional (ALN). Maria do Amparo Almeida Araujo, então militante da ALN e hoje presidente do "Grupo Tortura Nunca Mais", em Pernambuco, participou dos levantamentos preliminares que propiciaram o "justiçamento" que ela diz não saber quem praticou (depoimento da mesma no livro "Mulheres que Foram à Luta Armada", do jornalista Luiz Maklouf, 1998), embora, é evidente que para que o "justiçamento" pudesse ser efetuado, ela devesse passar esses levantamentos para alguém;
- Salatiel Teixeira Rolins, do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), "justiçado" em 22 de julho de 1973 por militantes do PCBR. Segundo Jacob Gorender - que em 1967 foi um dos fundadores do PCBR -, em seu livro "Combate nas Trevas", os assassinos não poderiam intitular-se "militantes do PCBR", pois, nessa época, "o PCBR não mais existia".
Na Guerrilha do Araguaia (1972-1974), foram "justiçados" pelo PC do B:
- "Mundico" – Rosalino Cruz Souza, guerrilheiro; Osmar, Pedro Mineiro, João Pereira e João Mateiro, moradores da região. Estes, por suposta colaboração com as Forças Armadas.
Alguns desses "justiçadores" estão aí, alguns desempenhando funções públicas.
Deve ser recordada também a morte, na Guerrilha do Araguaia, da Cadela Coroa - citada em uma série de reportagens publicadas pela imprensa em 1996 - também "justiçada", de acordo com as leis da guerrilha, por ter-se transformado em um perigo em potencial.
Conforme matéria publicada no jornal "Arauto" – informativo do Clube de Aeronáutica – de julho de 1996, a Cadela Coroa era uma espécie de mascote, dado seu apego aos membros do Destacamento A da guerrilha. Em 1972, todavia, ocorreu um fato que iria selar o destino de Coroa: com a chegada dos militares à área, os terroristas tiveram que se embrenhar na selva e Coroa, que acabara de dar cria, acompanhou-os. Mas, movida pelo sentimento materno, todos os dias sumia do acampamento e andava diversos quilômetros para amamentar os filhotes que deixara para trás.
A partir daí, os bravos terroristas do Destacamento A passaram a encará-la não como a melhor amiga do homem, mas como uma ameaça, pois, afinal, os militares poderiam segui-la e chegar até eles. Por isso, decidiram que ela deveria ser "justiçada", por ter-se tornado potencialmente perigosa. Por sorteio, a tarefa coube ao guerrilheiro "Zezinho"- Micheas Gomes de Almeida, que a matou a facadas, pois não podia ser a tiros que chamariam a atenção.
Morte semelhante - recorde-se - à do tenente Alberto Mendes Junior, morto a coronhadas de fuzil por Carlos Lamarca, no Vale da Ribeira, em maio de 1970, também para não despertar a atenção da tropa que o perseguia.
Vamos imaginar que a história tivesse ocorrido ao contrário. Caso a Cadela Coroa tivesse sido morta, digamos, pela tropa das forças legais. O fato teria, então, sido apontado como mais uma prova de que as Forças Armadas "atuaram como bárbaros", como disse o Sr. João Amazonas, em depoimento no Congresso Nacional.
Não teriam faltado os protestos de uma ONG qualquer, mantida não se sabe por quem, dedicada à defesa dos direitos das cadelas amigas de guerrilheiros. Seria lançada, possivelmente, outra edição, atualizada, do "Brasil, Nunca Mais", acrescentando o nome de Coroa. Tudo isso com o indispensável aval e aplausos do grupo filantrópico, de utilidade pública, "Tortura Nunca Mais".
Intelectuais de esquerda viriam a público protestar, com crônicas dominicais nas páginas dos principais jornais, entrevistas na TV, poesias e outros meios que dispusessem. Finalmente, surgiria um cineasta, já com um roteiro pronto e os protagonistas escolhidos para contar a história de mais uma vítima do"terrorismo de Estado". As cenas externas, com clips levados ao ar no horário nobre das televisões, seriam rodadas no Araguaia.
Finalmente, uma Comissão de Cães Mortos ou Desaparecidos seria criada, cujos integrantes também viajariam para o Araguaia, acompanhados por experts estrangeiros, em busca das ossadas de Coroa que, se encontradas, seriam levadas para a Unicamp. Os recursos financeiros para tudo isso não seriam problema. Aliás, essa tarefa poderia ser encampada,agora em 2014, pela © Omissão da Verdade que, evidentemente, encontraria uma forma de culpar a repressão pela morte da Coroa...
Carlos I. S. Azambuja é Historiador.
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