Uma das principais reações do governo brasileiro à crise está no
estímulo setorial ao consumo. Dentre os setores privilegiados com essa
medida encontramos o automobilístico. A tal ponto que março de 2009, em
pleno auge da crise, a venda nacional de automóveis só perdeu para julho
do ano anterior, se constituindo na melhor da história para um mês de
março. Foram vendidas 214.130 unidades. No segmento de caminhões, motos,
ônibus e comerciais leves a situação é semelhante. Um dos mecanismos
fundamentais para o estímulo está na redução ou isenção dos impostos,
tipo IPI e COFINS. Na prática, a reação oficial, embora coerente com a
realidade vivida e com a lógica de mercado, esconde uma potencial crise,
essa de cunho essencialmente interno, passada a crise global. Por quê?
Em primeiro lugar, porque o objetivo do apoio setorial é, ao estimular a
continuidade e mesmo o aumento nas vendas, manter as empresas
funcionando e, com isso, conservar o máximo de empregos, embora mesmo
assim haja certo desemprego. Em segundo lugar, a base da questão não é
favorecer ao consumidor e sim favorecer a indústria. Na essência, não se
trata de reduzir a margem de ganho da indústria visando vender mais e
sim reduzir a arrecadação do Estado que, efetivamente, é muito alta e já
passou dos limites há muito tempo. Por extensão, teoricamente o
consumidor sai favorecido, pois tem acesso a um bem de consumo a preços
mais acessíveis. Em terceiro lugar, a atitude consumista da população,
estimulada pelo governo, guarda um enorme risco. Trata-se de um
endividamento de longo prazo, com juros mais elevados, num momento em
que a liquidez e a renda diminuem e o risco de desemprego aumenta,
potencializando um quadro de inadimplência futura que inviabiliza o sistema.
Isso só não ocorre se os consumidores estiverem com sua capacidade de
pagamento, numa perspectiva de longo prazo, em dia e organizada. Assim,
a ideia de reduzir impostos para aquecer a economia é boa e correta,
porém, desde que os consumidores tenham condições de arcar com a dívida
assumida e possuam uma cultura de endividamento que ultrapasse a simples
noção de "posso assumir a dívida porque a prestação cabe no meu salário
atual". Senão vejamos: um automóvel popular, que custe R$ 29.500,00, ao
ser comprado pelo prazo máximo de 60 meses a um juro de 1,5% ao mês,
como existem ofertas no momento no país, custará ao consumidor, no
final, R$ 72.074,98. Ou seja, no final de 60 meses o consumidor terá
pago 2,4 automóveis para poder rodar com um. E o pior, pela
desvalorização do carro e a dificuldade existente em escoar carros
usados, em 18 meses de uso o carro perdeu tanto de seu valor que nem a
sua venda paga o débito restante (mais 42 meses). Com isso, a reprodução
do sistema não ocorre, fato que irá travar novamente, logo adiante, a
economia. A impossibilidade de pagamento das dívidas assumidas, por
grande parte da sociedade, guarda um claro potencial de inadimplência. A
situação se agrava na medida em que tal mecanismo está sendo pensado,
agora, para os eletrodomésticos, área onde a população mais carente já
está afogada em compromissos via carnês. Ou seja, o governo vem
realizando um esforço de enfrentamento da crise onde os favorecidos são
as indústrias e seus segmentos, o que não deixa de ter sua razão, porém,
"esquecendo" de conscientizar aos consumidores de que comprar nessas
condições beira a inviabilização econômica da maioria. Assim, o Brasil
corre o risco de estar gerando uma crise dentro da crise.
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