A ação escandalosamente ilegal dos procuradores que se comportam como se a
Lei da Anistia e o STF não existissem. Ou: Desperdício de dinheiro público
a serviço da ideologia. Ou: "O Segredo dos Teus
Olhos"<http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/a-acao-escandalosamente-ilegal-dos-procuradores-que-se-comportam-como-se-a-lei-da-anistia-e-o-stf-nao-existissem-ou-desperdicio-de-dinheiro-publico-a-servico-da-ideologia-ou-%e2%80%9co-segredo-dos/>
Pois é. Lá vou eu dizer o que todos os coleguinhas sabem, pouco importa o
lugar em que estejam no espectro ideológico. Uma minoria dirá o que tem de
ser dito. A maioria calará diante da "boa causa" e da identificação com as
vítimas, ignorando que, de fato, a "boa causa", nesse e em qualquer caso,
desde que estejamos numa democracia, é o triunfo do estado de direito.
Ao arrepio da Lei da Anistia, ao arrepio de votação do Supremo, que
rejeitou a revogação dessa lei numa Ação Direita de Inconstitucionalidade;
ao arrepio do fato de que a própria lei que aprovou a Assembléia Nacional
Constituinte, como já lembraram Gilmar Mendes e Eros Grau, trazia a anistia
como pressuposto, um grupo de procuradores da Repúbica decidiu fazer
justiça com, digamos, as próprias leis — que não são, então, aquelas
vigentes no país, referendadas pela instância máxima do Judiciário. Leiam o
que informa Iara Lemos no Portal
G1<http://g1.globo.com/politica/noticia/2012/03/mp-anuncia-primeira-acao-penal-por-crime-na-guerrilha-do-araguaia.html>.
Volto em seguida com questões que me parecem importantes. Trata-se de saber
se vamos construir o futuro ou ficar prisioneiros do passado.
*
O Ministério Público Federal (MPF) anunciou nesta terça-feira (13), que irá
protocolar uma ação contra o coronel da reserva Sebastião Curió por crimes
de sequestro qualificado contra cinco militantes que atuaram durante a
guerrilha do Araguaia, movimento armado contra a ditadura militar
organizado pelo PC do B e reprimido pelo Exército, entre 1972 e 1975, no
sul do Pará. A denúncia, assinada por sete procuradores da República, será
encaminhada nesta quarta-feira (14) à Justiça Federal de Marabá, no Pará.
Será a primeira ação penal do Ministério Público Federal por crimes
cometidos durante a Guerrilha do Araguaia. Segundo os procuradores, se
condenado, Curió poderá pegar de dois a 40 anos de prisão.
(…)
De acordo com os procuradores, a denúncia foi baseada em um procedimento
investigatório criminal, aberto em 2009 pela Procuradoria da República de
Marabá. Desde então, os procuradores reuniram documentos e relatos das
famílias das vítimas. A denúncia dos procuradores ocorre um ano depois de a
Corte Interamericana de Direitos Humanos ter condenado o Brasil a fazer "a
investigação dos fatos do presente caso [guerrilha do Araguaia] a fim de
esclarecê-los, determinar as correspondentes responsabilidades penais e
aplicar efetivas sanções".
Segundo o Ministério Público, Curió será denunciado pelo sequestro de Maria
Célia Corrêa (Rosainha), Hélio Luiz Navarro Magalhões (Edinho), Daniel
Ribeiro Callado (Doca), Antônio de Pádua Costa (Piauí) e Telma Regina
Cordeira Corrêa (Lia). De acordo com os procuradores, eles foram
sequestrados entre janeiro e setembro de 1974. O procurador Sérgio
Gardenghi Suiama afirmou que a Lei da Anistia não beneficia crimes como os
que teriam sido cometidos pelo militar. "O crime de sequestro continua
ocorrendo. Ele não se encerrou, uma vez que o paradeiro das vítimas não foi
localizado. A ação do MPD não contraria a lei. A Lei de Anistia não
beneficia neste caso o coronel Curió´", afirmou.
Os sete procuradores que assinam a ação - Tiago Modesto Rabelo, André
Casagrande Raupp, Ubiratan Cazetta, Felício Pontes Júnior, Ivan Cláudio
Marx, Andrey Borges de Mendonça e Sérgio Gardenghi Suiama - integram o
grupo de trabalho "Justiça de Transição", que investiga crimes cometidos
durante a ditadura militar. Desde segunda e até esta quarta, eles
participam de um seminário em um hotel em Brasília, com a presença de
procuradores de vários estados.
(…)
*Voltei
*Fica até difícil saber por onde começar. Mas vamos ordenar as coisas.
*1:* A Lei da Anistia é claríssima. Todos estão anistiados e de todos os
lados, por crime políticos "e conexos". Sem exceção. Logo, a afirmação de
que existem crimes não abrigados na lei é falsa.
*2:* É preciso não confundir "anistia" com "absolvição". Ninguém está sendo
absolvido de nada. A anistia quer dizer "perdão político", "esquecimento",
para que o país possa avançar.
*3:* As ações dessa natureza, essas e outras que virão, são
escandalosamente ilegais.
*4:* Os procuradores se aproveitam do fato de que figuras como Curió — e
eventuais torturadores — não despertam a simpatia de quase ninguém e são
identificadas, nessa fábula, como "mal"; em contraste com o outro lado,
onde estaria "o bem". Logo, quase ninguém aparece para defendê-las.
*5:* Não se trata mesmo de defendê-las porque o ponto é outro: saber se o
país optará ou não pelo cumprimento da lei.
*6:* É possível que uma ação como essa seja extinta em instâncias
inferiores. Se não for, chegará ao Supremo, cujo entendimento está mais do
que estabelecido.
*7:* Os senhores procuradores, pois, estão desperdiçando recursos públicos
com uma ação inútil, que só busca fazer embaixadinha para a platéia de
esquerda.
*8: *Se o objetivo é colaborar com a tal Comissão da Verdade, ou trabalhar
em parceria com ela, estão sendo contraproducentes e chamando a atenção
para o potencial risco de revanche.
*9: *A Corte Interamericana de Direitos Humanos não tem poder de impor
coisa nenhuma ao Judiciário brasileiro nem é sua corte revisora.
Sempre que esse tema é debatido, alguém se lembra de citar o comportamento,
nesse particular, da Argentina, que decidiu punir os criminosos da ditadura
etc e tal. Em primeiro lugar, a comparação das duas realidades é um
despropósito absoluto. Com uma população que corresponde a um quinto da
nossa, estimam-se em 30 mil pessoas os mortos e desaparecidos durante a
ditadura naquele país; no Brasil, com todos os exageros a favor da causa,
são 424. Não! Não estou dizendo que é pouca gente. Só estou dizendo que as
comparações são descabidas.
A ditadura argentina foi derrubada; o fim do regime militar brasileiro foi
longamente negociado. Os pactos históricos produzem frutos, que empurram os
países para um lado ou para outro. A Espanha juntou todas as forças
políticas em favor de uma transição pacífica da ditadura franquista para a
democracia, de que o "Pacto de Moncloa" (1977) é um símbolo. O midiático
juiz Baltasar Garzón tentou fazer a história recuar quase 40 anos, mas a
moderna sociedade espanhola rejeitou suas propostas. A África do Sul ficou
entre punir todos os remanescentes do regime do apartheid e a pacificação.
Escolheu o segundo caminho.
Num mundo em que se tenta censurar uma obra do século 13, a ponderação é
matéria em falta. Mas cumpre aos que ainda não perderam o juízo fazer uma
convocação à razão.
*Um filme
*Assistam ao brilhante "O Segredo dos Teus Olhos", de Juan José Campanella.
O filme é subestimado ou costuma ter seu sentido moral invertido em algumas
críticas que li. Não poderia haver melhor retrato da Argentina moderna.
Vejam lá. Um homem passa uma vida sendo refém daquele que foi algoz de sua
mulher, deixando, ele próprio, de viver. A Argentina kirchnerista, com a
sua tara por encruar o passado — Cristina Kirchner decidiu até criar um
departamento só para rever fatos históricos e recontá-los à luz do…
kirchnerismo! —, está destroçando as instituições. Não consegue sair da
lógica do confronto, da revanche, da vingança. E quem está pagando o pato é
a democracia.
É uma mentira escandalosa que o país vizinho esteja à frente do Brasil no
que diz respeito às instituições. Falso como os índices oficiais da
inflação argentina. Falso como a tolerância com a divergência na Argentina.
Falso como o amor do kirchnerismo pela democracia. É o que querem para o
Brasil? Pelo visto, sim! Não faltam injustiças presentes com as quais os
promotores deveriam se ocupar. Não obstante, ao arrepio das leis e de uma
clara e inequívoca manifestação do Supremo, tentam nos jogar no passado que
nunca passa.
Atenção! Na Argentina ou no Brasil, quem muito luta para encruar o passado
está em busca de licença para ser autoritário no presente. Não por acaso,
boa parte da esquerda brasileira que está no poder justifica seus crimes —
inclusive os financeiros — lembrando a sua condição de "amiga do povo".
A ação desses procuradores é ilegal. Isso não torna Curió ou qualquer outro
de seus alvos pessoas boas ou inocentes. Do meso modo, diga-se que os
adversários de Curió e assemelhados também não eram flores olorosas. Uma
das virtudes da anistia é romper com a lógica da polarização, da luta do
"Bem" contra o "Mal".
A propósito: os sete procuradores envolvidos no caso integram o grupo
"Justiça de Transição". É mesmo?
- o que seria uma "justiça de transição"? Seria aquela que extingue o
"transitado em julgado", de modo que uma decisão pode sempre ser revista,
jogando no lixo a segurança jurídica, base da democracia?;
- procurador, agora, passou a fazer parte da "Justiça"? Virou Poder
Judiciário?;
- procurador, agora, já se comporta como juiz?
O Brasil — por intermédio de todas as forças políticas que se empenharam na
transição — decidiu não ficar refém dos algozes da democracia, estivessem
esses algozes de um lado ou de outro. De fato, eles estavam dos dois! Se
aquelas leis podem ser ignoradas, então qualquer outra também pode. Será
isso a tal "justiça de transição", aquela sempre sujeita às vontades dos
poderosos da hora?
*Por Reinaldo Azevedo*
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