Autoria da emenda que pode transformar áreas indígenas em países independentes ainda é um mistério
Carlos Newton
No Congresso Nacional, sabe-se que, na legislatura passada, pelo menos um ou dois parlamentares cometeram crime de lesa-pátria, ao introduzir na reforma do Judiciário dois dispositivos à Constituição, abrindo a possibilidade de que as 216 áreas indígenas já reconhecidas se transformem em países independentes, com fronteiras fechadas, leis e governos próprios, pois até mesmo as Forças Armadas brasileiras ficariam impedidas de ter acesso a esses territórios.
A trama consistiu na criação dos parágrafos 3º e 4º ao artigo 5º da Constituição. Esses dispositivos foram ardilosamente inseridos entre as centenas de emendas da Reforma do Judiciário, que tramitou durante anos e foi aprovada pelo Congresso em 2004. Assim, em meio às demais emendas da reforma do Judiciário, a anexação desses parágrafos ao texto constitucional acabou passando despercebida.
O parágrafo 3º determina que "os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais". Já o parágrafo 4º estabelece que "o Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão".
Declaração
Com a vigência desses dispositivos constitucionais, a possibilidade de independência das áreas indígenas se tornou concreta em setembro de 2007, quando a delegação brasileira nas Nações Unidas votou a favor da aprovação da Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas, enquanto Estados Unidos, Canadá, Austrália e Nova Zelândia se posicionavam contra e outros 11 países preferiam se abster - Rússia, Colômbia, Azerbaijão, Bangladesh, Butão, Burundi, Georgia, Quênia, Nigéria, Samoa e Ucrânia.
"O Brasil sempre foi contrário aos termos dessa Declaração e nossa delegação na ONU sofreu enorme pressão, especialmente dos países europeus, liderados pela França. As ONGs também pressionaram, levando muitos índios para as reuniões da ONU, entre eles o neto do célebre cacique Raoni", revela o advogado Celso Serra, um dos maiores especialistas na questão indígena.
Em sua opinião, os diplomatas brasileiros só aceitaram votar a favor da Declaração porque desconheciam a mudança sofrida pela Constituição em 2004, quando se passou a considerar como emenda constitucional qualquer tratado sobre direitos humanos ratificado pelo Congresso.
"Até então, havia jurisprudência de que os tratados internacionais eram considerados apenas como leis ordinárias, sem a força impositiva da emenda constitucional, que tem de ser cumprida de imediato, sem maiores discussões", explica Serra, acrescentando: "Assim, logo que o Congresso ratificasse a Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas, imediatamente estaria proclamada a independência das 216 tribos".
Desconhecimento
A aprovação da Declaração da ONU, que dá independência às nações indígenas, conjugada às determinações dos parágrafos inseridos na reforma do Judiciário, possibilitaria não somente a independência das áreas indígenas, como também tiraria da Justiça brasileira a possibilidade de julgar qualquer litígio referente aos índios, que teriam o direito de recorrer aos tribunais internacionais.
No Congresso, os parlamentares desconheciam essa possibilidade e tudo indicava que o tratado internacional assinado pelo Brasil seria ratificado pela Câmara e o Senado, concretizando a independência das nações indígenas. A situação só começou a mudar a partir de março, quando a TRIBUNA DA IMPRENSA entrevistou o advogado Celso Serra e publicou a primeira reportagem denunciando a manobra para transformar as áreas indígenas em nações independentes. Depois, houve uma sucessão de artigos do jornalista Helio Fernandes, enquanto juristas e integrantes das Forças Armadas também se manifestavam, denunciando a trama contra a soberania brasileira na Amazônia.
As Forças Armadas logo se mobilizaram e o general Augusto Heleno, do Comando Militar da Amazônia, deu entrevista ao programa Canal Livre, da TV Bandeirantes, preocupado com a situação. Depois, transmitiu suas inquietações em palestra no Clube Militar e foi até repreendido publicamente pelo presidente Lula, que criticou o oficial, mas passou a dar seguidas declarações sobre a soberania brasileira na Amazônia.
Houve pronta reação também no Congresso. O senador Arthur Virgilio, líder do PSDB, fez uma interpelação formal ao Ministério das Relações Exteriores, e hoje as possibilidades de o Congresso ratificar a Declaração da ONU já são mínimas.
Paes Landim e José Jorge foram os relatores
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