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Agradeço as oportunas e coerentes intervenções dos comentaristas criticando o proselitismo irresponsável do globoritarismo apoiado pela mídia amestrada banalizando as Instituições e o Poder do Estado para a pratica sistemática de crimes. Os brasileiros de bem que pensam com suas próprias cabeças ja constataram que vivemos uma crise moral sem paralelo na historia que esgarça as Instituições pois os governantes não se posicionam na defesa da Lei e das Instituições gerando uma temerária INSEGURANÇA JURÍDICA. É DEVER de todo brasileiro de bem não se calar e bradar Levanta Brasil! Cidadania-Soberania-Moralidade

8.19.2008

O dia em que nosso Lula imitou o rei Salomão

José Nêumanne
E o presidente pôs fim à exumação da guerra suja usando uma falácia

O presidente da República pode não ser um homem letrado nem ilustrado, mas até seus adversários mais ferrenhos, que não toleram a hipótese do terceiro mandato nem em pesadelo, devem concordar que ele tem um bom senso invejável, além de um enorme talento para driblar obstáculos. Foi o que ele fez, aparentemente de maneira brilhante, na semana passada, ao encontrar uma solução salomônica para a proposta inoportuna e insensata feita por seu ministro da Justiça, Tarso Genro, e seu secretário de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, de reabrir unilateralmente a Lei da Anistia para punir apenas os torturadores.

Se cedesse à pressão dos comandantes militares e desautorizasse os dois auxiliares na cerimônia de apresentação dos novos oficiais-generais, terça-feira 12, no Palácio do Planalto, poderia passar a impressão de que carece de apoio da caserna para permanecer no legítimo posto em que está por decisão majoritária e soberana do povo brasileiro. Se, ao contrário, nada falasse, autorizaria uma insensata exumação de esqueletos da guerra suja, que não se sabe a quem poderia interessar, mas com certeza não interessa à sociedade nacional nem, por extensão, à paz em seu governo. O presidente calou na reunião com os oficiais, mas falou mais tarde em cerimônia no quartel-general de um dos maiores inimigos dos militares descontentes com a proposta de Paulo e Tarso: a União Nacional dos Estudantes (UNE). A escolha do lugar exalta os méritos do estrategista. A frase cunhada para encerrar o assunto comprova seu talento inato e invulgar de lidar com as palavras, ainda que muitas vezes atropele a gramática. Num arroubo digno de fazê-lo figurar entre os governantes que se celebrizaram pelo estilo conciliador quando detinham o bastão de mando, de dom Pedro II a Getúlio Vargas, de Bernardo Pereira de Vasconcelos a Tancredo Neves, Lula jogou o tema para escanteio num carrinho retórico, sem machucar ninguém: ele afirmou que era preciso "transformar os mortos em heróis, e não em vítimas".

A sentença funcionou como um calmante para os quartéis inquietos com a reabertura da discussão imprópria. Os comandantes e seu chefe, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, saíram comemorando o encerramento da discussão e a dupla Paulo e Tarso não se sentiu desautorizada nem repreendida. Mas a reencarnação do justiceiro rei hebreu Salomão no ex-dirigente sindical metalúrgico não passa de um truque impreciso do ponto de vista semântico, de lógica canhestra e falacioso no ângulo histórico, embora muito sagaz politicamente. Não há, ao contrário do que a sentença insinua, oposição entre a condição de vítima e o heroísmo. Há até muitas vezes uma relação estreita, embora não obrigatória: nem toda vítima é herói, mas muitas vezes o herói tem de ser vitimado antes, assim como o é o mártir.

No caso que serviu de tema à fala presidencial, quem foi torturado na ditadura militar exige tratamento de herói da democracia, embora não o tenha sido. Salvo raras exceções que confirmam a regra, os inimigos da ditadura militar de direita não lutavam pelo Estado Democrático de Direito, mas por outra ditadura, de sinal oposto, cujos exemplos - a Rússia de Lenin e Stalin, a China de Mao, a Cuba de Fidel Castro ou o Camboja de Pol Pot - são tão próximos de uma democracia quanto as tiranias de Nero, Calígula, Gengis Kahn, Hitler, Franco e Mussolini. Houve, sim, heróis da democracia na resistência civil contra os militares no Brasil - e Lula está entre eles, pois ajudou a desmoralizar a legislação autoritária com as greves que liderou, à custa de prisão e pena. Mas nenhum deles pegou em armas para enfrentar a ditadura.

Ao contrário do que imaginam os ingênuos que crêem nas versões falaciosas politicamente corretas de que havia nas ruas das metrópoles e nos sertões do Araguaia mais uma versão do conflito entre o Bem e o Mal, a idéia de derrubar o regime autoritário pelas armas não contribuiu para sabotá-lo. Mas colaborou para torná-lo mais cruel e talvez mais longevo. A ditadura durou mais do que era previsto que durasse pelos oficiais que interromperam o mandato de João Goulart, em 1964, porque teve a própria fúria contra as instituições nutrida pela aventura insensata dos que tentaram implantar no Brasil as idéias insanas do foquismo cubano dos barbudos de Sierra Maestra. E terminou ruindo sobre os próprios pés de barro, com a ajuda de democratas de verdade que participaram da difícil reconstrução das instituições enquanto muitos aventureiros da guerra suja ainda sonhavam com o sangrento assalto ao poder.

A dupla Paulo e Tarso não está sozinha na leitura distorcida destes eventos históricos. As comissões de burocratas que distribuem generosamente dinheiro público à guisa de remunerar os serviços prestados à luta contra a ditadura prestam idêntico desserviço à Nação. Não tem sentido subtrair dinheiro que deveria servir para resgatar a tal da dívida social, à qual Lula vive se referindo, para pagar indenizações milionárias a ex-combatentes que optaram pela luta e agora tratam essa opção imatura, mas consciente, como um investimento, conforme apontou com lucidez Millôr Fernandes. A notícia da entrada de 175 ex-militares, que logo serão seguidos por mais 425, na Justiça contra a União para pedir indenização por terem combatido no Araguaia parece absurda apenas por causa da conclusão equivocada de que havia algozes, num lado, e vítimas, no outro. Essa conclusão ganhou foros de verdade absoluta, sem fundamento histórico algum, pelo uso competente e cínico da lição dada pelo mago da propaganda nazista, Joseph Goebbels, segundo quem uma mentira se torna verdadeira se incessantemente repetida.

Vítima então e herói sobrevivente da luta dos democratas contra a ditadura, Lula recorreu à falácia para ganhar apoio e votos. Seria tão bom se deles fizesse melhor uso!

José Nêumanne, jornalista e escritor, é editorialista do Jornal da Tarde

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