24/08/2009
Valor Econômico
Eleitor do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e "grande amigo" do ex-ministro José Dirceu, o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro ganhou muito dinheiro no governo do PT, mas também a fama de usar a rede de relações que construiu com os poderosos da República, ao longo dos últimos 30 anos para obter vantagens para seus clientes.
Antonio Carlos de Almeida Castro é o Kakay, que voltou ao noticiário, nas últimas semanas, na qualidade de defensor do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), ameaçado por um processo de impeachment, já arquivado. Kakay é o nome certo a ser procurado em Brasília quando o assunto é crime de colarinho branco.
Com a fama e a sucessão de escândalos no país, a clientela de Almeida Castro aumentou, ele reconhece. Mas recusa terminantemente a afirmação de que tenha enriquecido no governo do PT e a pecha de "facilitador" ou de "resolvedor-geral da República", como já foi chamado.
"Fui advogado de oito ministros do governo de Fernando Henrique Cardoso, além do vice Marco Maciel. Até hoje advogo para o Paulo Renato (ex-ministro da Educação acusado de usar indevidamente jatinhos da FAB em viagens particulares no governo FHC). No governo de Lula, sou advogado apenas de três", disse Kakay ao Valor, em uma conversa durante almoço no restaurante Piantella, ponto de encontro de políticos, ministros de Estado e do Judiciário, e do qual é um dos sócios.
"Eu sou sócio do Piantella há 15 anos", conta Kakay. "Nunca trouxe um ministro para almoçar ou jantar aqui. Nunca nenhum ministro de tribunal almoçou ou jantou aqui comigo." O Piantella ganhou notoriedade como o restaurante preferido do deputado federal Ulysses Guimarães, morto em 1992, que presidiu o PMDB.
Kakay, de fato, está na praça há muito tempo. Já no governo de Fernando Collor de Mello, advogou para a ministra Zélia Cardoso de Melo. E começou a se aproximar de José Dirceu na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Anões do Orçamento. As acusações de Dirceu lhe renderam pelo menos 30 clientes naquela CPI, pela qual passaram as maiores empreiteiras do país.
"Conheci o Zé completamente fora da política. Eu era advogado das empreiteiras nas CPIs. O Zé me deu muitas causas", diz, referindo-se ao fato de que o então deputado José Dirceu era um dos mais atuantes da bancada do PT.
Outra versão diz que Kakay aproximou-se de Dirceu, em 2003, quando, empossado na Casa Civil, o petista precisava aproximar-se de mais aliados no PMDB e o advogado o teria auxiliado nessa tarefa junto com Sarney.
Até 1994 foi sócio de José Eduardo Alckmin, hoje advogado do PSDB. Na versão de Kakay, Alckmin queria crescer; ele, manter o escritório que ainda tem num shopping da cidade - só ele e duas advogadas. Ao todo, afirma que tem uns 200 processos, mas que o escritório só toca cerca de 30 permanentemente, por conta da morosidade da Justiça. "Os processos levam 10 anos. Eu nunca tive um casamento de 10 anos", diz ele, que já está na terceira mulher e tem três filhos.
À época, os dois advogados fizeram um acordo: sempre que um arrumasse uma causa para o outro, dividiriam os honorários. Por conta desse acordo, Kakay recebeu a primeira grande bolada já no período do governo Lula - um acordo da direção da Caixa Econômica Federal com o fundo de pensão de seus funcionários. Total dos honorários: R$ 32 milhões. Kakay ficou com R$ 16 milhões, como combinado.
Para um advogado formado na Universidade de Brasília (Unb), sem mestrado ou doutorado, o sucesso de Kakay chama a atenção. Ele começou como todos os advogados de Brasília - correspondente dos grandes escritórios do eixo Rio-São Paulo. Hoje, é o nome certo a ser procurado em casos de crimes financeiros. Em Brasília. Kakay não vai a posses nos tribunais, não frequenta a casa de ministros, nunca vai a coquetéis e diz que não mistura as coisas - votou em Lula, mas não é filiado ao PT.
"Não sou partidário", diz Almeida Castro. "Só advogo no Judiciário", afirma, negando que seja frequentador dos corredores de ministérios, da Casa Civil e muito menos dos palácios presidenciais de Brasília.
"Estive duas vezes em Palácio", diz. A primeira delas, com Fernando Henrique Cardoso, acompanhando o presidente da CBF, Ricardo Teixeira, que fora tratar de assuntos referentes à Copa do Mundo de 2014. A outra, já no governo Lula, foi apresentar outro amigo influente: o senador Marconi Perillo (PSDB-GO), que acabara de ser eleito - mal imaginava que em 2005 Lula colocaria Perillo numa lista de inimigos pessoais, por ter o ex-governador de Goiás dito que avisara o presidente sobre o mensalão.
Kakay hoje se considera "amigo de Sarney". Mas não era assim em um dia de fevereiro de 2002, quando ele estava no aeroporto de Brasília preparando-se para uma viagem a Goiânia, onde teria uma audiência. O telefone tocou. Do outro lado da linha estava Sarney, a quem Kakay não conhecia e de quem era um crítico. "Eu tinha formação de esquerda", afirma.
O senador foi direto ao ponto "Um amigo comum me indicou o senhor para advogar para a Roseana". A filha de Sarney despontava nas pesquisas como uma candidata competitiva à Presidência da República, nas eleições daquele ano, e a Polícia Federal apreendera em um escritório seu e do marido Jorge Murad R$ 1,38 milhão. Dinheiro para a pré-campanha de Roseana.
"Só mudei de lugar, fui para o Maranhão, em vez de Goiânia", relembra hoje Kakay. "Aí, ganhei o caso dela, estabelecemos um relacionamento ótimo, ficamos muito amigos". Conversam sobre vinhos, livros. A política não seria um prato forte. "Nunca fui filiado a partido. Fui presidente de centro acadêmico, participei de todos esses movimentos tradicionais (tipo diretas já). Nunca fiz política partidária. Não teria nenhum interesse em me candidatar", diz o advogado.
Kakay conta que só tomou "liberdade" com Sarney quando o senador foi recentemente jantar em sua casa. Disse que achara uma besteira ele disputar a Presidência do Senado, que não acrescia mais nada à sua biografia. Almeida Castro ficou irritado quando os jornais noticiaram que ele escrevera o discurso no qual Sarney se defendeu no Senado. "Imagina, um ex-presidente da República, membro da Academia Brasileira de Letras (ABL). Não quis defender o senador maranhense no Senado por entender que o julgamento seria político. Mas deu boas dicas jurídicas para que as denúncias fossem derrubadas.
Kakay também possui uma parte do sítio do Pericumã, a propriedade mais conhecida de Sarney. A versão corrente em Brasília é a de que ele teria recebido as terras como honorários pelo caso Lunus (a empresa de Roseana e Murad). Almeida Castro, que gosta de dizer que não cobra honorário dos amigos, garante que não houve nada disso. Ele fora procurado por Emílio Odebrecht, da construtora Norberto Odebrecht, que iria tocar um grande empreendimento imobiliário no sítio. E concordou entrar como sócio. Depois disso, nunca foi lá. Sarney continua com uma parte. Alguma coisa entre 10% e 12% das terras.
Seu grande mentor foi José Eduardo Alckmin (primo do ex-governador Geraldo Alckmin, de São Paulo), seguido de José Carlos Dias, ex-ministro da Justiça de FHC. Ele representou outros grandes escritórios em Brasília, como o de Márcio Thomaz Bastos e Nélio Machado. Tem amigos como Sarney e Marconi Perilo, é chegado a Lula e só elogios ao presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes. "Pode-se discordar dele, mas é uma pessoa competente."
Como diz um amigo, Kakay é um mestre na arte de fazer amigos e influenciar pessoas, além de bom filho e pai de família. Nas contas do próprio Almeida Castro, ele tem uns 20 grandes amigos. Mas não é cobrado por ser amigo de nenhum. "Eu sou muito amigo do Antonio Carlos Sigmaringa, mas ninguém me cobra isso". O caso é diferente quando o amigo é José Dirceu.
Ele diz que sua amizade com Dirceu é "imensurável". De fato presenteou o ex-ministro com vinhos caros e viajou com ele a Cuba, em férias. Uma amizade nascida nas CPIs e regada no Piantella, pois a exemplo dele, Dirceu gosta de jantares e vinhos refinados. Dirceu frequenta sua casa para jantares que têm o dedo da mulher de Kakay, Valéria Vieira, gourmet que chegou a dar aulas de culinária no exterior durante 12 anos
Quando houve a denúncia do mensalão seria natural que o advogado de Dirceu fosse Kakay. Ele achou que não. "Zé, você deve pegar um advogado tucano que faça esquecer qualquer questão partidária." Dirceu pediu uma indicação. "José Carlos Dias foi ministro da Justiça do Fernando Henrique, é um cara competentíssimo, meu amigo, foi quem mais me avalizou na questão profissional, depois do Alckmin."
Os dois foram para São Paulo e Dirceu teve uma conversa com Dias. O ex-ministro de FHC até se entusiasmou com a causa, mas já era advogado do Banco Rural (que era acusado de envolvimento no esquema do mensalão). Mas da conversa saiu o nome de José Luiz de Oliveira Lima, o Juca, um advogado jovem que subitamente saltou para a fama.
Kakay foi advogado do banqueiro Daniel Dantas no caso em que a empresa Kroll fora acusada de espionar o ex-ministro Luiz Gushiken a mando do dono do Opportunity. Como Dirceu e Gushiken disputavam espaços de poder no início do governo Lula foi logo identificado como um defensor da causa do banqueiro no Palácio do Planalto, pois Gushiken jogava exatamente do outro lado.
Embora diga que só atua no Judiciário, o Valor apurou que Kakay, nesse caso, exerceu o mesmo papel que outros advogados próximos de Lula, mais recentemente: tentar convencer o governo de que Dantas queria vender sua parte na Brasil Telecom e deixar o ramo da telefonia (o que aconteceu este ano com a criação da Oi - a compra da Brasil Telecom pela Oi).
Em outro episódio, quando José Carlos Dias foi convidado para ser ministro da Justiça, pediu para Kakay sondar o delegado Paulo Lacerda para a direção da Polícia Federal. Lacerda não aceitou. Anos mais tarde, Lula eleito, Márcio Thomaz Bastos veio a Brasílilia e avisou Kakay: "Ele vai me convidar para ministro da Justiça e eu não vou aceitar". Almeida Castro reagiu causticamente: "Se você entrar lá, sai ministro". Na saída, já ministro escolhido por Lula, Thomaz Bastos comentou que chamaria Paulo Lacerda para a PF. "Ele não vai aceitar", avisou Kakay. Desta vez, errou. Lacerda mudara de ideia.
Em Minas, segundo Kakay, existe um ditado segundo o qual "fama de rico, valente e namorador você não desmente não". Mas ele reclama de que passou a ter "uma exposição negativa com a eleição do governo Lula, porque as pessoas pensam que eu sou petista, e o advogado não deve ser partidário. Eu não sou partidário. Advoguei mais para pessoas do PSDB". Um amigo de longa data diz: "Criou-se uma imagem do Kakay e isso atrai clientes. Mas ele não oferece vantagens aqui em Brasília. Se ele oferecesse vantagens ele comprometeria o ministro do caso".
"A minha vida mudou. Só que o Brasil também mudou. Acho que o Lula faz um grande governo, votei nele todas as vezes que foi candidato a presidente, agora, provavelmente eu vote no Serra. Eu acho o Serra o cara mais preparado para administrar o país. Eu só não voto no Serra se o candidato do PSDB for o Aécio Neves, porque aí as razões mineiras falam mais alto" - Kakay é de Patos de Minas.
E Dilma Rousseff, a candidata de Lula e do amigão do peito José Dirceu? "Eu não tenho muito entusiasmo em votar na Dilma não", afirma. "Se o Serra for eleito, nós vamos ter pela primeira vez um governo de esquerda no Brasil", diz Kakay, antes de arrematar: " Eu acho que a alternância é positiva. Desde que você não paralise as obras do governo anterior. O Lula não paralisou as obras do FHC."
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