O apagão de Dilma
Ricardo Noblat
"O voto não é do Serra, nem da Dilma, nem do Lula, nem de ninguém. Ele é do eleitor." (Marina Silva, senadora do PT-AC)
Em que estado se encontravam as lamparinas do juízo da ministra Dilma Rousseff quando ela negou o encontro que teve no final do ano passado, no Palácio do Planalto, com a então secretária da Receita Federal, Lina Vieira? Não teria sido mais fácil confirmar o encontro e negar o que Lina disse ter ouvido dela? Ou afirmar que fora mal entendida?
Lina contou à "Folha de S.Paulo" que fora chamada para uma reunião com Dilma.
O portador do convite — ou da convocação, se preferirem — não foi ninguém menos que Erenice Guerra, secretáriaexecutiva da Casa Civil. Inusitado que tenha sido Erenice. Ela é importante demais para sair dos seus domínios e se ocupar com tarefa tão prosaica.
Mas por inusitado, parece crível. Erenice não discute ordens de Dilma. Está ali para fazer o que ela manda.
O resto da equipe da Casa Civil, também. Alguns assessores veneram a ministra.
A maioria teme seus ataques de cólera. O chefe do Gabinete de Segurança da Presidência, general Jorge Armando Felix, já foi alvo de um deles.
Lina revelou ter ouvido de Dilma a recomendação para que apressasse as investigações em torno dos negócios suspeitos do empresário Fernando Sarney, filho do senador José Sarney (PMDB-AP).
A Polícia Federal chegou a pedir a prisão dele, recusada por um juiz do Maranhão. Lina foi embora do gabinete de Dilma e não falou mais com ela sobre o assunto.
A assessoria da ministra negou tudo — o encontro e a conversa sobre Fernando Sarney. No dia seguinte, foi a própria ministra que negou.
E voltou a negar mais duas vezes. Fala Lina: "Ela me perguntou se eu podia agilizar a fiscalização do filho do Sarney. Fui embora e não dei retorno. Acho que eles não queriam problema com o Sarney."
Fala Dilma: "Eu não fiz esse pedido. Olha, eu encontrei com a secretária da Receita várias vezes, com outras pessoas junto, em grandes reuniões. Essa reunião privada a que ela se refere, eu não tive com ela." Fala de novo Lina: "Ela sabe que eu estive lá e sabe que falou comigo. Não custava nada ela ter dito a verdade."
Vai na bola, Dilma: "Há coisas que a gente não afirma; a gente prova. Não vou fazer avaliação subjetiva quanto a interesses de ninguém". Devolve a bola, Lina: "Qual a dificuldade (de a ministra admitir o encontro)? Na minha biografia não existe mentira".
Por sua vez, Erenice negou ter sido portadora de convite para que Lina se reunisse com Dilma.
Erenice falou por meio de nota oficial: "A secretáriaexecutiva da Casa Civil da Presidência da República afirma que jamais esteve no gabinete de trabalho da exsecretaria da Receita Federal Lina Vieira". Rebateu de viva voz Iraneth Dias, ex-chefe de gabinete de Lina: "Eu confirmo que ela esteve aqui e que a secretária (Lina) falou que iria ao palácio".
Quem fala a verdade? É o que quer saber a Comissão de Constituição e Justiça do Senado, que convidou Lina para depor amanhã. Lina pediu passagem e hospedagem para voltar a Brasília.
Está de repouso numa praia. Alguns senadores querem ouvir também Dilma e, se possível, acareá-la com Lina. Nem pensar, retruca o governo.
Seria muito fácil para o governo provar que a verdade está do lado de Dilma e Erenice.
Ninguém entra no Palácio sem ser identificado.
Nenhum carro estaciona ali sem ter a placa anotada.
Ninguém circula pelos corredores a salvo de câmeras de televisão. Depois de consultar seus arquivos, por que o governo não disse simplesmente que Lina mentiu?
De duas, uma: não disse porque Lina falou a verdade. Ou porque o apagão nas lamparinas do juízo de Dilma o deixou sem saída. Recolheu-se ao silêncio obsequioso. De resto, Dilma já mentiu em outras ocasiões. Disse, por exemplo, que era mestre e doutoranda pela Universidade de Campinas — falso. Disse que não participou da luta armada contra a ditadura de 64 — falso. Disse que o governo não fez dossiê sobre despesas sigilosas do governo Fernando Henrique — nada mais falso.
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