De partida para os Estados Unidos, onde proferirei palestra no Encontro nacional de supporters da TFP norte-americana, decidi debruçar-me sobre o fenômeno do antiamericanismo.
Esses focos de militância
antiamericana são agitados por um
oba-oba pró-Obama: sua eventual
vitória será fruto da propaganda
Na minha juventude os Estados Unidos espargiam pelo mundo um intenso fascínio. A americanização estampava-se nos modos de ser, vestir, comportar-se, de muitos de meus contemporâneos.
A nação norte-americana era portadora de uma modernidade que arredava a tradição considerada démodée. Uma atmosfera de otimismo e despreocupação inconseqüentes, de progresso risonho, envolvia seu povo e conquistava o mundo.
Hollywood tornara-se foco desse modo de ser felizardo, auto-suficiente, um tanto vulgar e igualitário, e moralmente tolerante.
Vieram as batalhas culturais dos anos 60 e 70 que culminaram simbolicamente com a derrota do Vietnã. Tal derrota, sofrida mais no campo interno do que na frente de batalha, fruto da propaganda e da mentalidade libertária e pacifista, causou um abalo na estrutura psicológica do norte-americano, e assinalou uma inflexão decisiva na sua história.
Tais inflexões não se dão de chofre, nem têm como determinante um único fato. Elas germinam, estendem suas raízes, desabrocham e se consolidam ao longo dos anos, às vezes das décadas. Mas determinados acontecimentos têm o condão de cristalizá-las.
Derrotado, o americano médio se encontrou diante do infortúnio, o qual traz muitas vezes consigo a reflexão saneadora e salvífica.
Enquanto nas profundidades da mentalidade americana se operava uma rotação fundamental, permanecia, em larga escala, a propensão ao gozo da vida, à displicência, ao comodismo, que se traduzia, diante da ameaça da hecatombe nuclear que assombrava o clima propagandístico da “Guerra Fria”, no slogan capitulacionista: “Melhor vermelho do que morto”.
O espírito derrotista levou americanos a queimar sua própria bandeira, num sinal público de menosprezo e hostilidade em relação aos valores que constituem o fundamento da nação.
Mas a metamorfose que se gestava nas profundidades foi emergindo com força incoercível, consolidando, segundo me parece, uma das transformações psico-político-sociais de maior vulto na história contemporânea.
Em amplos e importantes setores da nação norte-americana brotou um conservantismo político, um senso de coerência, honra e pugnacidade, a par de tendências profundas, saudosas da tradição, tonificantes dos valores familiares e ávidas dos princípios perenes da civilização cristã. Tal transformação incidiu igualmente nas escolhas da linguagem, dos trajes, das maneiras, das residências, dos objetos de utilidade ou de decoração, etc.
Curioso é notar que, paralelamente a tal mudança, o antigo fascínio pelos Estados Unidos foi sendo substituído por um sentimento de acrimônia e até mesmo de hostilidade. O anti-americanismo passou a ser militante em vastos círculos dirigentes e difuso em certas camadas do público.
Os Estados Unidos, considerados outrora fonte da modernidade, passaram a ser apontados como retrógrados e obliterados, e contra eles se alimentaram parcialidades, má-vontades e intransigências.
No presente momento, um fato desconcertante irrompe em cena. Esses focos de propaganda e militância anti-americana são agitados por um verdadeiro oba-oba pró Barack Obama: o homem da “mudança”, de uma “mudança” que ninguém se abalança a definir, nem ele próprio, mas que esses círculos parecem almejar para os Estados Unidos e o mundo.
Como esse anti-americanismo rançoso se transmuta e se torna pró-americano? Dou-me conta que ele não constitui uma manifestação simplista de nacionalismo, ou de anti-imperialismo, mas traz involucrada profunda animadversão ideológica. Volta-se contra certo tipo de Estados Unidos.
Revela um mal estar ante o fato de parte muito considerável e dinâmica da sociedade americana (com forte pujança entre os jovens) ter aderido a tendências, ideais e princípios conservadores, no sentido mais amplo do termo.
A torcida pelo candidato democrata é para mim sintoma do desejo desenfreado de certas máquinas político-propagandísticas de inverter essa conjuntura. A eventual vitória de Obama será o fruto de uma gigantesca operação de propaganda, à qual não faltaram ingredientes variados, até turbulência financeira. Mas terá ela a capacidade de alterar a realidade profunda da opinião pública norte-americana?
São esses os dilemas do antiamericanismo.
Dom Bertrand de Orleans e Bragança é trineto de D.Pedro II
e-mail: dombertrand@terra.com.br
da: Folha de São Paulo - “Tendências e Debates”
Dom Bertrand de Orleans e Bragança é Diretor de Relações Institucionais do Movimento Paz no Campo e tem seu Blog hospedado no site http://www.paznocampo.org.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário