Em "O Espírito das Leis", Montesquieu (1689-1755) anotou: "Quando vou a um país, não examino se há boas leis, mas se as que lá existem são executadas, pois boas leis há por toda parte." O autor ficaria corado se lhe fosse dado, num retorno momentâneo ao mundo dos vivos, desembarcar no Brasil de hoje.
Aqui, boas ou ruins, as leis nem sempre são executadas. A telefônica Telemar/Oi acaba de anunciar a aquisição da ex-concorrente Brasil Telecom. Negócio de R$ 5,8 bilhões. Que ainda pode alçar à casa dos R$ 12,3 bilhões.
Há um quê de anarquia na mega-aquisição: ela foi feita à margem da lei. Assinaram-se os contratos ao arrepio da chamada Lei de Outorgas. Uma peça que proíbe operadoras de telefonia fixa de comprarem congêneres que operam em outras praças. Por que? Para tonificar a concorrência. Ou, por outra, para proteger o consumidor.
Curiosamente, anuncia-se aos quatro ventos que Lula baixará um decreto alterando as regras. Ou seja, a ilegalidade está na bica de ser legalizada. A segurança é tamanha que o velho e bom BNDES animou-se a borrifar nas arcas da empresa compradora R$ 2,569 bilhões em verbas da Viúva.
Trançada assim, nas coxas do capitalismo à brasileira, a transação evoca os tempos da privatização do Sistema Telebrás –outro negócio que misturou interesses privados e públicos "no limite da irresponsabilidade"
Diz-se que pode haver redução de preços. Porém, o comunicado que trouxe o negócio ao nível do meio-fio não menciona o vocábulo "tarifa." A certa altura, anota o seguinte:
"A Telemar entende que a complementaridade dos serviços telefônicos fixos comutados, dos serviços de telefonia móvel e dos serviços de comunicação de dados prestados pela Telemar e pela BrT permitirá a obtenção de economias de escala e de escopo que resultarão no melhor atendimento das necessidades do mercado e dos consumidores.
Onde se lê "economias de escala", leia-se aumento dos lucros. Ganha o "Troféu Ingenuidade" o brasileiro que for capaz de apostar um níquel na tese de que o lero-lero do "melhor atendimento das necessidades do consumidor" será traduzido em redução de preços.
Assim como as transações entre os executivos das duas telefônicas –a compradora e a comprada—, o decreto que Lula pretende editar vem sendo urdido à sombra. Bem longe dos olhares de quem paga conta de telefone. Nenhuma discussão à luz do Sol. Transparência de cristal cica.
Em ambiente sério, o mercado e o governo deveriam respeitar a lógica do calendário. Primeiro a alteração das regras. Só depois o fechamento do negócio. A mudança das normas é conveniente? Por que não demonstrar a necessidade à bugrada? De preferência antes de o BNDES empurrar um par e meio de bilhões em arcas privadas!
Sob Lula, o governo vai além do que previra Balzac (1799-1850) em "A Casa Nucingen": "As leis são as teias de aranha pelas quais as moscas grandes passam e as pequenas ficam presas." Aqui, as moscas graúdas nem precisam forçar a teia. O Estado cuida de removê-las.
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LOV
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