Como é sabido, com o objetivo de sanear o espaço eleitoral e imobilizar na medida do possível o abuso do poder, econômico ou de outra natureza, de origem privada ou oficial, a lei estabelece a estação eleitoral, fora da qual é ilícita atividade de pessoas e partidos com este objetivo, sem embargo de atividades funcionais de uns e outros. À sombra desse território, pode haver abusos dissimulados tendentes a buscar vantagens que a lei visou a coibir. Lembro-me de caso antigo ocorrido aqui em que um empresário que viria a ser candidato aumentou significativamente a publicidade de sua firma individual, que levava seu nome, e que a Justiça Eleitoral negou o registro da candidatura pretendida sob o fundamento de abuso mediante propaganda mascarada. Mas há outros expedientes envolvendo poder público, em última análise, o erário.
A publicidade estatal é a maior, salvo erro meu, e é a maior porque, direta ou indiretamente, o Estado é o maior empregador, arrecadador e gastador, sem falar nas bolsas pelas quais milhares de pessoas são beneficiadas em razão de suas carências, supostamente, e isso, obviamente, abre espaço ao surgimento de alguns padres cíceros ou madres terezas, maiores que os originais. Quem exercer cargo e função relevantes tem oportunidade de locupletar-se eleitoralmente e até financeiramente que o comum das pessoas não tem; pode valer-se dessa possibilidade ou não. É por isso que a lei veda que o nome do administrador apareça até em placas referentes à feitura de uma obra, cadeia, escola, estrada ou coisa que o valha.
Tudo isso é sabido e ressabido. No entanto, o que está acontecendo no Brasil é coisa muito mais grave de que uma placa afixada em um pedaço de obra pública.
Começa que o presidente Luiz Inácio, mercê de suas múltiplas facilidades, não é homem de sete instrumentos, pois é de todos os instrumentos, e deles vem fazendo uso dilatado e sem recato. Há algum tempo é chefe de Estado e chefe de governo, chefe de partido e eleitor de chefes partidários e, tornando-se sucedâneo unipessoal de convenções partidistas, escolhe, ele só, candidato à própria sucessão, como ao tempo do Estado Novo (previsto mas nunca executado), e, em vez de descansar, como o Criador após criar o Mundo, insatisfeito, assumiu o patrocínio de sua elegante candidata. E antes que os maldizentes dissessem que ele estava fazendo o que entre as muitas atribuições do presidente não figura, o de fazer-se empresário de uma candidatura por ele fabricada, deu início à sua campanha formal, como se não houvesse lei a respeito.
A pretexto da inauguração de obras, a candidata do presidente entrou em ação e bateu como a língua nos dentes e... botou fogo no paiol. Atribuiu a eventual concorrente o propósito de extinguir o Bolsa-Família e não sei mais o quê.
Foi o suficiente para levar algumas pedradas e assim começou uma campanha sucessória em torno da Presidência da República, tendo como ator principal o denominado “primeiro magistrado da nação”. Não começa bem e pode terminar mal.
A propósito, lembro-me de ladino mercador que, na eleição já ao final do Estado Novo, difundiu que o brigadeiro Eduardo Gomes, candidato oposicionista, dissera não precisar do voto de marmiteiros, o que era falso, como o difamador confessou mais tarde. Agora vem o presidente asseverar “nós vamos ganhar para dar continuidade a essas coisas, porque se para, se para tudo o que está acontecendo neste Brasil e a gente volta ao passado, todo mundo sabe como é que é”. Compreende-se que um flibusteiro dissesse o que disse em 1945, mas que o presidente da República, em inauguração convertida em comício, diga coisa semelhante para justificar a eleição de sua candidata, reduz-se a marqueteiro de sua candidata. Começando assim, termina na sarjeta. E o presidente não pode descer a ela. Ninguém ganha com isso. Nem ele.
* Jurista, ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal
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