Perito Legista aposentado da Polícia Civil do RJ
10.10.2008
A JUSTIÇA REALMENTE É “CEGA”!
Realmente, nenhuma ideologia vale o extermínio espiritual e material de um povo que trabalha, produz, inventa e quer apenas viver a vida em toda sua plenitude.como muito bem posto por Arlindo Montenegro em seu artigo Valemos pelo que somos e fazemos
Com efeito, essa é a Justiça que a sociedade fluminense bem merece, por acovardamento social, ou omissão, ou mesmo por ignorância, num país em que há tantos milhões de alfabetizados funcionais, como bem coloca Leví Inimá. .
"A absolvição do policial militar que matou Daniel Duque Pittman foi surpreendente, não pelo resultado, mas pela impropriedade técnica, afinal prevaleceu à absurda tese de tiro acidental – nenhuma surpresa me causou; eu já sabia que assim seria. Digo absurda porquanto, sob a ótica pericial, o tiro acidental é aquele que ocorre sem acionamento do mecanismo de disparo da arma, através do acionamento da tecla do gatilho, o que, na atualidade, mercê dos progressos da indústria de material bélico e dos mecanismos de segurança desenvolvidos nas armas de fogo, torna-se praticamente impossível, principalmente em se tratando de uma pistola da marca Taurus ® – o PM portava uma pistola TAURUS, PT 938, n°. KRC89910, acautelada pela Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro (PCERJ), sob o n°. 008/2007, da CSI –, a qual possui desconector e trava do percutor; ou seja, só produz tiros mediante o acionamento do gatilho. Assim, serve-nos como exemplo clássico de tiro acidental aquele que ocorre quando da queda de uma arma de fogo ao solo.
Como pôde, então, prevalecer tal tese? A resposta é lógica: a Justiça baseou-se, tão-somente, em provas testemunhais, em claro e irresponsável detrimento de provas técnicas. E toda vez que isso ocorre a Justiça torna-se errada e, conseqüentemente, faz-se injusta.
E por falar em prova técnica, em momento algum o exame cadavérico foi trazido à baila, pois restou claro, à beira da mesa de necropsia, que o tiro foi efetuado a curta distância – o Ministério Público poderia ter requisitado os esclarecedores depoimentos dos médicos legistas que realizaram a necropsia (?!)... mas não o fez... não quis fazê-lo. E mais, caso Daniel tivesse realmente tentado tirar a arma da mão do policial militar, sendo então o "responsável" pelo tiro que o matou, resíduos de tiro haveria em sua mão, o que faria "ruir por terra", de forma indelével, o ato que a Justiça obrigou-nos todos a "engolir" – a "legítima defesa". Todavia, em momento algum a autoridade policial, da 14ª DELEGACIA POLICIAL (14ª DP), mandou pesquisar resíduos de tiro nas mãos do cadáver de Daniel Duque – essa pesquisa é tão elementar, tão óbvia quanto primária, que não se pode olvidá-la, a não ser por intencionalidade. Como se não bastasse tal fato, não houve Perícia de Local de Crime – a autoridade policial em momento algum requisitou o concurso de peritos criminais àquele local, a despeito de ter sido a vítima socorrida (?!).
Num país sério, durante a apuração do crime, seria realizada, de pronto, a Reprodução Simulada de Local de Crime, como bem preceitua o Art. 7° do Código de Processo Penal; mas a autoridade policial também dispensou tal prova técnica, a qual se torna imprescindível a uma correta e isenta apuração quanto autoria de crime (?!). E também não foram realizados ensaios periciais com a arma questionada, e a munição usada, para confirmar a distância em que o tiro foi realizado, a partir da Zona de Tatuagem deixada no cadáver. Ora, segundo clássicos autores, tanto nacionais quanto estrangeiros, o tiro a curta distância ocorre em distância superior a, no mínimo, 30 centímetros.
Logo após o ocorrido, policial militar primeiro disse que primeiro iria se apresentar no 23° BATALHÃO DE POLÍCIA MILITAR e, a seguir, à 14ª DP, para comunicar que efetuara tiros à porta da boate. Ele só se apresentou na tarde daquele dia 28.06.2008, e mesmo assim somente depois que o delegado da 14ª DP telefonou-lhe dando ciência que uma pessoa fora ferida e morrera – que país: um delegado de polícia telefonando para um soldado PM para avisá-lo de que um de seus tiros matara um rapaz (?!). E mais: a partir da apresentação do policial militar, na delegacia da área, não foi ele encaminhado a exame de corpo de delito, em especial com vistas à pesquisa de alcoolemia – dosagem de teor alcoólico no sangue.
O que assistimos foi uma sucessão de falhas que somente poderiam redundar no pedido de absolvição, por parte do representante do MP, com o convencimento dos jurados. Resta-nos a indagação: – foi tudo ocasional ou intencional? Seja lá o que tiver prevalecido nas mentes dos ilibados e probos homens de Justiça, salta-nos aos olhos tamanhos "desconhecimentos" técnicos (?!).
Certa vez a Juíza Maria Angélica Guimarães Guerra Guedes disse que "a sociedade tem a Justiça que bem merece". E, decerto, essa é a Justiça que a sociedade fluminense bem merece, por acovardamento social, ou omissão, ou mesmo por ignorância, num país em que há tantos alfabetizados funcionais. Cabe lembrar que todos nós, enquanto sociedade, a qualquer momento poderemos depender dessa mesma Justiça – Que Deus nos livre de tal destino atroz!
De resto, certo estava Tenório Cavalcante quando certa vez disse: "A Justiça, no Brasil, tem medida para cada prestígio, e peso para cada conveniência, no balanço das traficâncias políticas". Qualquer semelhança não é mera coincidência!"
Dr. Leví Inimá de Miranda – CEL MED REF (EB)Perito Legista aposentado da Polícia Civil do RJ
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