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Agradeço as oportunas e coerentes intervenções dos comentaristas criticando o proselitismo irresponsável do globoritarismo apoiado pela mídia amestrada banalizando as Instituições e o Poder do Estado para a pratica sistemática de crimes. Os brasileiros de bem que pensam com suas próprias cabeças ja constataram que vivemos uma crise moral sem paralelo na historia que esgarça as Instituições pois os governantes não se posicionam na defesa da Lei e das Instituições gerando uma temerária INSEGURANÇA JURÍDICA. É DEVER de todo brasileiro de bem não se calar e bradar Levanta Brasil! Cidadania-Soberania-Moralidade

9.09.2007

Estado doente, sociedade enferma

 

Estado doente, sociedade enferma

Quando os valores e orientações que deveriam reger a população não batem com suas necessidades, surge a esquizofrenia

José de Souza Martins*

A esquizofrenia do Estado brasileiro se manifestou mais uma vez nos vários episódios políticos que nas últimas semanas foram destaque na mídia. Do recebimento da denúncia do procurador da República, pelo Supremo Tribunal Federal, contra os acusados de envolvimento no mensalão, às incongruências das resoluções do 3º Congresso do Partido dos Trabalhadores; do caso Renan Calheiros, no Senado, ao barulho corporativo dos vereadores de São Paulo com o tombamento de edifícios históricos e as restrições para construção nas respectivas áreas envoltórias, a esquizofrenia do Estado fica evidente. Deixa-nos, desanimados cidadãos, na dúvida em relação a quem é mesmo o povo, ao que é mesmo o mandato político, a quem os políticos de fato representam.

O Estado esquizofrênico expressa a sociedade anômica que é a nossa, sociedade regrada por valores e orientações em descompasso com as funções e necessidades sociais e políticas requeridas por seu formato. Uma sociedade que parece moderna e avançada e é de fato uma sociedade atrasada, com amplos setores sociais retardatários da história, aquém do moderno que presumimos. Só teatralmente o Estado brasileiro é moderno, e às vezes, nem assim. Um eleitorado que em muitas partes do país, mesmo nas regiões economicamente mais desenvolvidas e nem por isso politicamente mais adiantadas, vota ainda por deferência à política do favor e do poder pessoal. Na maioria, somos um eleitorado incapaz de decantar a realidade para decidir politicamente sobre a política. Em boa parte porque os partidos não nos ajudam a pensar a política desse modo. Sobrevivem com nosso atraso.

O caso envolvendo o presidente do Senado é uma indicação de quanto a política personalista do atraso invadiu a Brasília ilhada na solidão dos políticos distantes do povo e das próprias instituições. Não é diferente o caso da Câmara Municipal de São Paulo, que combate a história e a memória social em nome de interesses corporativos anti-históricos e até mesmo anti-sociais, em nome do atraso e não da civilidade.

O Congresso do PT, que reúne seis partidos ideologicamente distintos e até conflitantes sob um único nome, refletiu o drama da harmonização da sociedade anômica com o Estado esquizofrênico: proclama estratégias para se aproximar dos movimentos sociais e das organizações populares, cuja grande e fundamental base é católica. No entanto, aprova a descriminalização do aborto, medida moderna de saúde pública, que conflita com a orientação católica de seus constituintes. E ninguém debate o conflito que há nessas decisões. Ao mesmo tempo o partido, nominalmente operário, aprova enfática moção que proclama a reforma agrária como o principal problema do País e sua principal meta. Mas não se propõe a enfrentar politicamente o esvaziamento econômico da categoria “trabalho”. Esvaziamento que se agrava em conseqüência da intensificação das trocas econômicas com os países asiáticos, especialmente a China, países que em troca do que nos compram nos vendem produtos de trabalho degradado que degrada ainda mais o de nossos trabalhadores.

Os políticos são atores desse teatro do desencontro. Alguns têm clareza e consciência do cenário de contradições em que se movem. Outros, se têm essa clareza, não o demonstram. O presidente Luiz Inácio, com freqüência, compara positivamente seu governo com todos os que o antecederam. Nega-se em Cardoso, que copia, e reconhece-se em Getúlio, que não copia e seu partido abominava. O seu “nunca antes neste País” tornou-se o bordão do governo, como, com muito mais sentido, o “brasileiros e brasileiras” de José Sarney e o “trabalhadores do Brasil”, de Getúlio Vargas. Nestes últimos, porém, havia o reconhecimento da alteridade do povo, como referência, motivo e destinação.

Esse “nunca antes” não é só desconhecimento da história. É, também e sobretudo, negação da história e da historicidade da política, do poder como missão delegada do outro que é o povo e o cidadão. Nem por isso o povo deixa de estar lá, mutilado, oculto, nas falas do presidente. Lula, embora nesse sentido precedido por um amador, o presidente Collor, difundiu no Brasil o poder teatral como forma de governar. Ele é platéia e ator ao mesmo tempo. Governa e faz oposição ao governo. Esse, aliás, é o segredo da nova aparência da política brasileira, personificação das duplicidades que nos abatem. Nesse cenário, o povo conta pouco.

Quarenta pessoas são transformadas em rés, pelo Supremo Tribunal Federal, no processo do mensalão, ligadas ao governo. Lula age como se não fosse com ele, cindindo-se como pessoa física, de um lado, e pessoa política que é o exercício da Presidência da República, de outro. Compreende-se. Sua estratégia protege a instituição, mas é também autoprotetiva.

Lula lava a mão em relação a aliados e amigos. Mas lava uma só. Vai ao congresso de seu partido e rompe a harmonia e o respeito da relação entre os poderes. Pede apoio aos réus, solidariza-se com eles, inocenta-os antes do julgamento final. Lula é o duplo, o ser bifronte das inconsistências e ambigüidades da estrutura política brasileira. Não é ele mesmo. É o outro, gestado pelas anomalias do poder. Faz teatro ao abandonar os amigos e companheiros processados e faz teatro ao pedir a seu inquieto partido, do qual é membro e presidente de honra, que não os abandone.

Lula não é o problema. Ele apenas o personifica e seu teatro político constitui a expressão criativa do governante que, cindido, desempenha com convicção, num mesmo dia, e não raro no mesmo palco, papéis opostos. Ser ou não ser, eis a questão teatral e política. O problema é a organização do Estado brasileiro, defeituosa da base ao topo, na mutilação da representação política. A Constituinte tentou harmonizar os antagônicos, criou caminhos de expressão harmônica dos opostos, conciliou além da política para viabilizar a política e, ao viabilizar a política, viabilizou o político antes de viabilizar o País e o Estado.

*José de Souza Martins é professor de sociologia da Faculdade de Filosofia da USP

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