Renan Calheiros fará aniversário neste dia 16. Mas já ganhou um
presentão do Planalto, embrulhado no pacote sujo da IMPUNIDADE.
No varar da madrugada seca de terça-feira, dia 11 de setembro, cerca de
40 bandidos, segundo as primeiras estimativas, dinamitaram o muro de uma
transportadora de valores na Água Branca, Zona Oeste de São Paulo, e,
num assalto cinematográfico, levaram R$ 10 milhões. A ação na Rua
Adriano José Marchini, abalou o antigo bairro, berço da Companhia
Antártica Paulista e de tantas outras indústrias nascidas no início do
século passado. A notícia percorreu todas as ondas da informação, tal a
audácia e o seu nível de planejamento e movimentos combinados.
Trinta e seis horas depois, 40 senadores da República, numa ação
clandestina e blindada por lacres à prova de dinamites, perpetraram uma
espécie de haraquiri institucional em plena Praça dos Três Poderes,
quando o sol já ia se recolher. Eles também agiram de forma coordenada,
desprezando princípios do direito e valores éticos e morais. Não tomaram
conhecimento de um exaustivo relatório que mostrava a burla do decoro
parlamentar de forma cristalina e incontestável.
Como se premidos por suas vidas pregressas, optaram pela consagração da
delinqüência e da impunidade, chocando o país com uma decisão
provocadora e traumática. No evento em que 81 homens públicos valeram-se
de um sigilo que privatizou sua casa legislativa o modus operandi teve
os elementos químicos de uma implosão demolidora.
Aos cidadãos responsáveis pelo içamento daqueles mandatários será negada
para todo o sempre as informações a que teriam direito se o Senado da
República não preferisse ser um valhacouto que oculta a sete chaves as
palavras e atos de sua turma.
Um erro fatal
A partir de agora, será muito difícil desejar que goze do respeito da
cidadania um senador que esconde seu voto num processo em que a cassação
de um colega seria a mais branda das punições, tais os delitos públicos
e notórios, objetos de acusações tão indefensáveis que, quando expostos
aos nossos olhos, 11 do s 15 membros do chamado Conselho de Ética não
pestanejaram, recomendando a punição política prevista. A meu juízo,
segundo os valores herdados do "seu" Doca e na analogia cabível, a
sociedade foi igualmente ofendida pelos dois eventos dessas horas de
perplexidade e indignação.
Bertolt Brecht perguntou um dia o que era assaltar um banco, em
comparação com fundar um banco. Eu, que já vivi tantas e tão amargas
decepções, pergunto qual a diferença entre explodir uma parede para pôr
a mão no dinheiro alheio e esconder-se entre quatro paredes para tomar
uma decisão, na qual se pretende tão somente a absolvição pelo benefício
do segredo e da dúvida.
Ao poupar aquele que se disse possuidor de informações comprometedoras
de seus comparsas, a dita Câmara Alta do Congresso passou recibo de uma
peluda cauda presa, sugerindo sem maiores cuidados a existência de um
corporativismo de cartas marcadas. Ao juízo de qualquer um, o Senado da
República errou na forma e no conteúdo.
Por que o recurso da "caixa preta" numa situação em que mais se exigia
transparência? Se 40 senadores votaram convencidos da "inocência" do seu
presidente, por que a necessidade fatal de esconder suas palavras e seus
atos, numa verdadeira operação de guerra? Será que esses senhores de
certa idade não perceberam que a sessão blindada soou para todos os
cidadãos, daqui e dalém mar, como um corpo de delito de uma decisão
marota? Quem votou como? Como disse o que?
Hélio Fernandes, decano de todos os repórteres, revelou que os três
senadores do Estado do Rio, um deles suplente do suplente, votaram pela
absolvição do homem que mentiu para seus colegas, segundo conclusão do
Conselho de Ética, numa insustentável afronta aos fatos por demais
esmiuçados.
Aliado sob medida
Terão esses senhores explicações a dar aos que lhes confiaram o voto? (O
suplente do suplente não tinha eleitores por uma dessas aberrações
próprias do Senado e, portanto, c omo outros 14 colegas não se sentem
obrigados a dar satisfação a ninguém). Haverá entre os cidadãos deste
país alguém que concorde com esses 40 senadores, protegidos pelo sigilo,
mas que, mais dia, menos dia, serão devidamente identificados?
É certo que o senhor José Renan Vasconcelos Calheiros livrou-se apenas
do primeiro de um seriado de processos, abertos a cada denúncia sobre
suas travessuras. Outra vez o Conselho de Ética deverá opinar sobre o
caso da cervejaria e dos negócios escusos na compra de uma rádio e de um
jornal. É certo que, provavelmente, a opinião pública será mais rigorosa
e mais vigilante. É certo também que, se levado a plenário, a nação será
submetida à mesma mis-en-scèene das portas trancadas e os votos obtidos
sob os mais diversos efeitos, menos o da análise serena dos autos.
Está mais do que provado de que tudo pode acontecer. Parece evidente que
o senador acusado contou com a cumplicidade do já mal afamado Partido
dos Trabalhadores e do próprio presidente Luiz Inácio, que prefere ter
entre seus áulicos parlamentares desgastados e enfraquecidos, condições
que os levam à mais deprimente subserviência aos desejos do Executivo.
Está claro também, como dois e dois são quatro, que a conta dessa
absolvição e do que mais pode vir de "negociado" pela frente será paga
pelos cidadãos, convertidos na bucha de canhão de um simulacro de
democracia. Em compensação, o Senado ofegante vai perdendo o respeito e
indo à lona por suas próprias pernas.
A cada espetáculo como dessa quarta-feira, parte dos seus alicerces vai
desmoronando. E não demora muito, a sociedade crítica descobrirá que
essa casa legislativa é uma redundância cara e dispensável. Com o
sistema unicameral, não teremos mandatários eleitos por 8 anos com
suplentes tão secretos como as votações dos desvios de conduta de seus
senadores.
É bom que essa depuração se faça dentro do regime de direito. Antes que
, por imprudências desafiadoras como o espetáculo do dia 13, seja
implorado ao levante em nome da decência e dos bons costumes quem tem
por missão a preservação da ordem constitucional.
Pedro Porfírio é jornalista e escritor, vereador na Cidade do Rio de
Janeiro.
Publicado na Tribuna da Imprensa
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