O decreto “está em colisão direta com os preceitos fundamentais dos incisos XXXIII e LX do artigo 5º, bem como no caput do artigo 37, todos da Constituição Federal”, afirma a ADPF. Atos normativos e leis anteriores à Carta devem ser ou não recepcionados por ela. A adequação do decreto 200, diz o texto, deve ser examinada pelo STF.
A ação lembra que a regra geral é a da publicidade dos atos da administração e que só haverá exceção quando o interesse público exigir, o que ocorre no caso de ameaça à segurança nacional, por exemplo. “Não se mostra suficiente simplesmente simplesmente alegar que o sigilo das informações se deve à segurança do Estado, sem apresentar a devida motivação. Por que a publicidade de um determinado ato ameaça a segurança do Estado?”, salienta a ADPF.
O sigilo não pode ser decretado sem que haja fundamentação que respalde a exceção à regra geral da publicidade, observa o PPS no texto. “No contexto da ordem constitucional inaugurada em 1988, não há que se falar em sigilo nos gastos da administração pública”, diz o texto. Além disso, segurança nacional envolve questões militares e relações internacionais, entre outras.
A ADPF pede concessão de medida liminar suspendendo o sigilo na movimentação de quaisquer créditos públicos e a notificação do presidente Lula, por meio do advogado-geral da União, para que ambos prestem as informações necessárias.
Freire acusa Lula de usar decreto da ditadura para manter sigilos
O presidente nacional do PPS, Roberto Freire, acusou o presidente Lula de escorar-se na ditadura militar para manter gastos em sigilo, fora do alcance do princípio da publicidade. Ele referia-se ao decreto 200, de 1967, que possibilita o segredo de despesas com cartões corporativos por exemplo. “Nós entendemos que a Constituição de 1988 não recepcionou esse decreto, que próprio de um sistema da segurança nacional, de um tempo em que até lei era secreta, coisa inédita no mundo”, disse Freire, ao protocolar na tarde desta terça-feira no Supremo Tribunal Federal uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Princípio Fundamental).
No regime democrático, ressalta Freire, é preciso prestar contas de tudo, por causa do princípio da publicidade. O presidente do PPS disse ainda que buscou a Justiça agora porque surgiu “essa esdrúxula tese do governo de que gastos com dinheiro público não precisam ser transparentes, não precisam de prestação de contas”. Freire considerou “lamentável” que o governo Lula utilize instrumentos da ditadura como o decreto 200. Confira abaixo a íntegra da ação protocolada pelo PPS.
EXCELENTÍSSIMA SENHORA PRESIDENTE DO EGRÉGIO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – MINISTRA ELLEN GRACIE NORTHFLEET
O Partido Popular Socialista – PPS, pessoa jurídica de direito privado com registro no Tribunal Superior Eleitoral – TSE e representação parlamentar no Congresso Nacional, com sede na SCS, Quadra 07, Bloco A, Ed. Executive Tower, salas 826/828, Brasília/DF, por seu Presidente Nacional, Doutor Roberto João Pereira Freire, advogado regularmente inscrito junto à OAB/PE sob o n.º 2.852, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, com fundamento no artigo 102, § 1º, da Constituição Federal, regulamentado pela Lei Federal n.º 9.882/99, ajuizar perante essa Excelsa Corte a presente ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL COM PEDIDO DE MEDIDA LIMINAR objetivando a declaração de não-recepção do artigo 86 do Decreto-Lei n.º 200, de 25 de fevereiro de 1967, de autoria do Excelentíssimo Senhor Presidente da República, pelas razões que passa a aduzir:
I – CONSIDERAÇÕES ACERCA DA NORMA IMPUGNADA
Visa a presente argüição demonstrar a não recepção do sigilo da movimentação de créditos destinados à realização de despesas reservadas ou confidenciais, previsto no artigo 86 do Decreto-Lei n.º 200/67, in verbis:
“Art. 86. A movimentação dos créditos destinados à realização de despesas reservadas ou confidenciais será feita sigilosamente e nesse caráter serão tomadas as contas dos responsáveis.”
Conforme será devidamente demonstrado na presente argüição, o sigilo instituído pelo dispositivo retro mencionado demanda a declaração de não-recepção, por estar em colisão direta com os preceitos fundamentais insculpidos nos incisos XXXIII e LX do art. 5º, bem como no caput do art. 37, todos da Constituição Federal.
II – DO CABIMENTO DA PRESENTE ARGÜIÇÃO
A norma impugnada precede à promulgação da Constituição de 1988. E assim sendo, o tema ora posto em debate cinge-se à verificação acerca da recepção – ou não – do artigo 86 do Decreto-Lei n.º 200/67 pela Carta Política cidadã.
Sobre o tema, Alexandre de Moraes ensina que:
“A compatibilidade dos atos normativos e das leis anteriores com a nova constituição será resolvida pelo fenômeno da recepção, uma vez que a ação direta de inconstitucionalidade não é instrumento juridicamente idôneo ao exame da constitucionalidade de atos normativos do Poder Público que tenham sido editados em momento anterior ao da vigência da constituição atual.” (grifamos) (Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional – 5ª ed. – São Paulo: Atlas, 2005, pág. 2.357)
Portanto, como se trata aqui de direito anterior à vigência da Constituição, não é cabível a ação direta de inconstitucionalidade.
Contudo, a Lei n.º 9.882, de 03 de dezembro de 1999, que dispõe sobre o processo e julgamento da argüição de descumprimento de preceito fundamental, determina o seguinte:
“Art. 1º .....
Parágrafo único. Caberá também argüição de descumprimento de preceito fundamental:
I – quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição” (grifamos)
Com efeito, a existência de mecanismos eficazes de controle de constitucionalidade é uma condição fundamental para a supremacia constitucional e a segurança jurídica, essência do moderno Estado democrático de direito. De nada adiantariam a existência de limites que marcam a rigidez constitucional se não existissem eficazes meios de controle dos atos e leis que contrariam estes limites.
Acrescente-se, outrossim, que os dispositivos constitucionais violados pela norma impugnada são preceitos fundamentais, o que viabiliza, inexoravelmente, o presente instrumento.
III – DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS
O artigo 86 do Decreto-Lei n.º 200, de 25 de fevereiro de 1967, instituiu o sigilo da movimentação dos créditos destinados à realização de despesas reservadas ou confidenciais.
Todavia, mais do que a constatação do caráter anacrônico do instituto ora guerreado, é curial examinar sua adequação aos preceitos fundamentais da nova ordem constitucional, inaugurada em 05 de outubro de 1988.
O inciso XXXIII do art. 5º da Constituição determina o seguinte:
“todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado ”
Já o inciso LX do art. 5º do Estatuto Político, por sua vez, estabelece:
“a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”
Por fim, o caput do art. 37 estatui o seguinte:
“A administração pública direta e indireta de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:....”
Ora, fica mais do que evidente, pela leitura destes dispositivos, que a diretriz tomada pela Constituição Federal de 1988 foi no sentido de consagrar o princípio da publicidade dos atos da administração pública.
A regra geral, portanto, é a publicidade dos atos da administração, que só poderá ser excepcionada quando o interesse público assim o exigir. Carlos Ari Sundfeld salienta que:
“A Administração jamais maneja interesses, poderes ou direitos pessoais seus, surge o dever da absoluta transperência. ‘Todo poder emano do povo e em seu nome será exercido’ (CF, art. 1º, § 1º). É óbvio, então, que o povo, titular do poder, tem o direito de conhecer tudo o que concerne à Administração, de controlar passo a passo o exercício do poder.” (Princípio da publicidade administrativa. Direito de certidão, vista e intimação. Revista de Direito Público, volume 82, página 54)
Não se desconhece que a segunda parte do inciso XXXIII do art. 5º excepciona a publicidade quando for imprescindível à segurança do Estado.
Ocorre que, em se tratando da administração pública, não basta simplesmente alegar algo para justificar a prática de um determinado ato sem apresentar a fundamentação para tal. Insta invocar-se aqui o princípio da motivação da administração pública, muito bem explicado por Maria Sylvia Zanella di Pietro, litteris:
“O princípio da motivação exige que a Administração Pública indique os fundamentos de fato e de direito de suas decisões. Ele está consagrado pela doutrina e pela jurisprudência, não havendo mais espaço para as velhas doutrinas que discutiam se a sua obrigatoriedade alcançava só os atos vinculados ou só os atos discricionários, ou se estava presente em ambas as categorias. A sua obrigatoriedade se justifica em qualquer tipo de ato, porque se trata de formalidade necessária para permitir o controle de legalidade dos atos administrativos.” (Direito Administrativo. 18ª ed. São Paulo: Atlas, 2005, pág. 82)
Destarte, não se mostra suficiente simplesmente alegar que o sigilo das informações se deve à segurança do Estado, sem apresentar a devida motivação. Por quê a publicidade de um determinado ato ameaça a segurança do Estado? É preciso sempre fundamentar o ato administrativo. Até porque, se não fosse assim, bastaria alegar em qualquer situação que se está diante de “questão de segurança do Estado” e a regra da publicidade seria remetida às calendas.
Acrescente-se ainda que a Constituição Federal, embora não faça referência expressa ao princípio da motivação no capítulo em que trata da Administração Pública, sem a menor dúvida o consagrou implicitamente. Isto porque a motivação é um elemento essencial para o exercício do controle dos atos da Administração Pública.
Nesta perspectiva, não se afigura viável, pelo menos do ponto de vista de adequação à Constituição, simplesmente alegar a presença da exceção à regra geral da publicidade sem motivação do sigilo que se prestaria a demonstrar a presença de questão de segurança do Estado.
Diante destas circunstâncias, fica evidente que o sigilo não pode ser decretado sem que haja a devida fundamentação (motivação) que respalde a exceção à regra geral da publicidade.
Portanto, da forma como a questão é tratada pelo Art. 86 do Decreto-Lei n.º 200/67, resta evidente a colisão do dispositivo com os preceitos fundamentais previstos nos incisos XXXIII e LX do art. 5º, bem como no caput do art. 37, todos da Constituição Federal.
Trata-se de nítida ofensa ao princípio da publicidade, sobretudo diante da não-exigência de motivação pelo art. 86 do Decreto-Lei n.º 200/67, ao arrepio dos dispositivos constitucionais violados.
Importante frisar aqui o forte vínculo existente entre motivação e publicidade. Ora, se a regra geral é a publicidade, a exceção carece de demonstração (motivação) de imposição do sigilo. Todavia, o art. 86 do Decreto-Lei n.º 200/67 simplesmente determina o sigilo da movimentação dos créditos destinados à realização de despesas que sejam supostamente reservadas ou confidenciais. E se não houver uma razão efetiva para que tais despesas sejam reservadas?
Da forma como esta questão está colocada no art. 86 do Decreto-Lei n.º 200/67, afigura-se uma evidente afronta ao princípio da publicidade. No contexto da ordem constitucional inaugurada em 1988, não há que se falar em sigilo nos gastos da administração pública.
E acrescente-se ainda que as exceções a que alude o inciso XXXIII do art. 5º referem-se ao sigilo de questões que envolvam segurança nacional, tais como questões militares, relações internacionais, etc.
Despesas públicas não se enquadram nas hipóteses legitimadoras do sigilo. A prevalecer, de fato, os interesses da sociedade e do Estado, todos os gastos públicos deveriam ser realizados com a mais ampla publicidade e divulgação.
É por tais motivos que se vislumbra necessária a declaração de não-recepção, com a conseqüente revogação dos dispositivos vergastados.
IV – DA NECESSIDADE DE CONCESSÃO DE MEDIDA LIMINAR
A Lei n.º 9.882, de 1999, prevê a possibilidade de concessão de medida liminar na argüição de descumprimento, mediante decisão colegiada da maioria absoluta dos membros deste Tribunal. E no caso em mira, é imperiosa a concessão da liminar para a suspensão imediata do sigilo na movimentação dos créditos públicos.
Com efeito, a tese jurídica esposada ostenta a relevância jurídica – fumus boni iuris – posto que o texto impugnado fere frontalmente o disposto nos incisos XXXIII e LX do art. 5º e no caput do art. 37, todos da Constituição Federal, que consagram o princípio da publicidade na administração pública.
Está presente também o periculum in mora, posto que a inevitável delonga até o julgamento definitivo da presente ação prolongará ainda mais a imposição indevida do sigilo na movimentação dos créditos públicos, persistindo a afronta à Carta Política.
V – DOS PEDIDOS
Por todo o exposto requer-se:
a – Liminarmente, presentes os pressupostos do fumus boni iuris e do periculum in mora, a concessão initio litis e com eficácia erga omnes de MEDIDA LIMINAR, objetivando-se a suspensão imediata do sigilo na movimentação de quaisquer créditos públicos;
b – A notificação do Excelentíssimo Senhor Presidente da República, bem como da União Federal, neste ato representada pelo Advogado-Geral da União, para que ambos prestem as informações necessárias;
c – Por fim, o julgamento em definitivo da procedência da presente argüição de descumprimento de preceito fundamental para, na guarda da Constituição da República Federativa do Brasil, declarar a não-recepção, com a conseqüente revogação, do art. 86 do Decreto-Lei n.º 200, de 25 de fevereiro de 1967, pelos fundamentos expendidos nesta exordial.
Para prova do alegado, instrui a presente exordial cópia do dispositivo legal impugnado, nos termos do art. 3º, parágrafo único, da Lei n.º 9.882/99.
Brasília, 12 de fevereiro de 2008.
Roberto João Pereira Freire
Presidente Nacional do PPS
Advogado – OAB/PE n.º 2.852
do : http://www.pps.org.br/2005/index.asp?opcao=noticia_abrir&id=47700&portal=
Postado por MiguelGCF
Editor do Impunidade Vergonha Nacional
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