Como temos divulgado em vários artigos, a situação no campo é extremamente grave. Para informar melhor aos seus leitores Midia Sem Máscara entrevistou o Sr. Gedeão Pereira, Vice Presidente e Diretor de Assuntos Fundiários da Federação da Agricultura no Rio Grande do Sul (FARSUL), Membro da Comissão Fundiária Nacional, da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), e Proprietário da Estância Santa Maria, de pecuária e cultivo de arroz irrigado, localizada na cidade de Bagé-RS.
O "pacífico MST". |
MSM – Como estão as invasões de terra no Rio Grande do Sul e no Brasil?
GEDEÃO - É preciso diferenciar o RS do resto do País e ainda o Sul do Norte do Estado. O MST é mais forte no restante do país do que aqui, não porque sejam menos agressivos mas porque no RS, particularmente ao sul da Serra de Santa Maria, há maior reação dos produtores rurais. No RS só existem invasões pontuais. Durante os sucessivos governos de Antônio Britto (PMDB), Olívio Dutra (PT), Germano Rigotto (PMDB) e Yeda Crusius (PSDB) houve marchas e contra-marchas; no entanto, há 14 anos não existem propriedades invadidas no estado, pois a Justiça tem emitido regularmente mandatos de re-integração de posse e a Brigada Militar (BM) tem cumprido à risca os mandados. Certamente no governo petista de Olívio Dutra a BM não tinha a mesma liberdade de ação como antes e como nos dois últimos governos. Então, aqui no Sul o movimento tem sido de invade - mandado de re-integração - ação policial - desinvade.
MSM – Qual a diferença entre as regiões ao norte e ao sul da Serra de Santa Maria?
GEDEÃO - O poder de mobilização dos fazendeiros no norte do estado é menor. Na parte sul, a campanha, o ecossistema do pampa que se segue pelo Uruguai e pela Argentina, é diferente. Além disto, mais para o Norte do país se o proprietário perde a terra pode ir para outra, há maior vastidão e terras desocupadas. No sul do RS não. Os produtores, caso desapropriados, não têm para onde ir; é a única pena capital que existe no país. Além disto, os gaúchos do sul têm a tradição de herdeiros das lutas contra os espanhóis. É a cultura guerreira da Bacia do Prata. O MST nasceu na metade norte do estado e é mais forte lá. Mesmo que consigam assentamento no sul, não sabem o que fazer com a terra que é bem diferente.
MSM – Em quais estados o MST é mais forte e por quê?
GEDEÃO - O MST é mais forte em Minas Gerais e Paraná, particularmente neste último, pois o Governador Requião apóia fortemente o MST. Nestes estados há propriedades invadidas há mais de dois anos apesar de mandados de re-integração de posse expedidos regularmente. Em São Paulo existem focos importantes também, como o Pontal de Paranapanema. E, é claro, no Nordeste.
MSM – O número de invasões vem aumentando ou está estável?
GEDEÃO – Depende. Durante os governos de FHC, 95 a 99, cresceram muito mas naquele ano foi editada a Medida Provisória Anti-Invasão e a partir de 2000 foram decrescendo até a posse do Presidente Lula, quando voltaram a crescer (ver gráfico I).
Gráfico I - Campo. |
MSM – A única reivindicação do MST é a redistribuição de terras?
GEDEÃO – Não; certamente é muito mais ampla. Antes alegavam que era uma injustiça existirem terras não produtivas enquanto camponeses passavam fome por não terem onde plantar. Esta falácia acabou; hoje as terras produtivas são as mais visadas. Também houve uma mudança radical dos objetivos: a luta deixou de ser contra o latifúndio para ser contra o agronegócio, os transgênicos e o reflorestamento. Eles alegam que eucalipto não mata a fome de ninguém. Evoluíram, também, para impedir a cobrança de pedágio nas rodovias privatizadas. Ultimamente têm invadido e destruído completamente praças de pedágio, principalmente no Paraná onde o Governador é contra a privatização de rodovias. E ainda alegam que as marchas são pela re-estatização da Vale do Rio Doce! E o que nós, ruralistas, temos a ver com isto?
MSM – A seu ver isto caracteriza um estado franco de guerrilha?
GEDEÃO – Sim, o MST já é um movimento guerrilheiro. Usam de violência nas estradas, contra as fazendas invadidas que costumam destruir, atacam propriedades e máquinas agrícolas, os tratores da fazenda Coqueiros (ver artigos anteriores) não são os únicos nem os primeiros. Em muitas fazendas a colheita só pode ser realizada com forte apoio policial senão as máquinas serão atacadas e o produto destruído, o que acaba com outra mentira: a de que só querem alimento.
O dano nas máquinas. |
A colheita sob proteção policial. |
Os "pacíficos trabalhadores." |
MSM – O ataque previsto à Fazenda Coqueiros pode significar uma escalada da guerrilha? Como o senhor vê este problema e quais os últimos desenvolvimentos?
GEDEÃO – Existem três colunas em marcha para lá, uma delas a que passou por Bagé, e também os produtores rurais marcham para lá para ajudar a defender a propriedade. A Juíza da Comarca de Carazinho expediu ordem à BM de paralisar todas, tantos as três do MST como as nossas. A fazenda já foi invadida doze vezes e em todas as vezes houve cumprimento de mandado de re-integração de posse. Isto não impede que os acampamentos em volta da fazenda continuem causando inúmeros prejuízos na região. Permanentemente fustigam as fronteiras da fazenda criando um clima de total insegurança, tanto nos proprietários como nos trabalhadores.
MSM – O senhor acredita que o MST vai acatar a ordem judicial de paralisar as marchas?
GEDEÃO – Creio que sim, a BM fará seu papel, como sempre. Mas se prosseguirem na marcha, os fazendeiros vão para lá também. Já está previsto o deslocamento de 1.000 homens da BM para a região.
MSM – Há possibilidade de desapropriação da Coqueiros? Com base em quais argumentos?
GEDEÃO - Segundo a Constituição Federal e a Lei 8.129, não podem ser desapropriadas áreas produtivas mas o INCRA desencavou uma Lei dos tempos do Jango, a 4.132, que permite a desapropriação para a construção de estradas para o bem público e está tentando fazer com que a Ministra Dilma Roussef assine a ordem de desapropriação e a encaminhe para o Presidente Lula. Mas até mesmo a assessoria jurídica da Ministra a está desaconselhando e consta que o Presidente Lula também está muito hesitante, tendendo a não assinar a ordem. A Lei 8.129 estabelece índices para comprovação da produtividade, como o de Grau de Eficiência, que deve ser de 100% ou mais, e o Grau de Utilização da Terra, que deve ser no mínimo de 80%. Mas o MST alega que eles estão defasados e devem ser atualizados. O Brasil é o único país que possui um índice mínimo de produtividade e pior, o INCRA cria os índices, vistoria, fiscaliza e julga! Tudo num órgão só! Não são levadas em conta crises de mercado ou problemas de doença do proprietário que o impeçam momentaneamente de investir seu capital. Para não desapropriar, só com Decreto de Calamidade Pública!
MSM – Exemplifique, por favor.
GEDEÃO – Se uma fazenda tem uma área plantada de 1.000 hectares, no próximo ano terá que ter o mesmo ou mais. Ou, no caso da pecuária, se tiver 10.000 cabeças de gado, idem, não pode ter menos, só se, como disse, houver decreto de calamidade pública na área. É como se uma montadora de automóveis que produzisse num ano 10.000 carros pudesse ser desapropriada se no ano seguinte produzisse “apenas” 9.999! Repito: não interessam eventuais crises de mercado ou fatores individuais ou familiares do produtor. As áreas invadidas, desde o governo FHC, não podem ser vistoriadas por dois anos e assim sucessivamente se houver novas invasões.
MSM – Além da fiscalização do INCRA, existem outras?
GEDEÃO – Sim; uma das piores é a fiscalização ambiental à qual deve ser submetido todo o planejamento de expansão dentro das propriedades. Por exemplo: quem trabalha com arroz irrigado, como eu, se quiser construir uma nova barragem para ampliar a área cultivada tem que pedir licença ambiental. E leva no mínimo 5 anos para sair ou não a licença! Isto é extremamente prejudicial para a ampliação das lavouras e aumento da produtividade do campo. Além disto, existe a fiscalização pelo Ministério do Trabalho que ocorre mais no Norte do país. Como o trabalho escravo é raríssimo, inventaram algo que ninguém pode definir muito bem: trabalho análogo ao trabalho escravo! Ninguém define, mas com base nisto pode-se multar as propriedades em quantias altíssimas que inviabilizem o negócio e prender os proprietários!
MSM – O MST e outros movimentos “sociais”, que poderíamos chamar de revolucionários, justificam suas ações no campo com o argumento de que a estrutura agrária brasileira é baseada no latifúndio. Isto é verdade?
GEDEÃO – Absolutamente! 85,4% das terras brasileiras pertencem a propriedades abaixo dos 100 hectares, sendo que 58,8% são menores do que 25 hectares. As grandes propriedades, acima de 10.000 ha., correspondem a 0.1%. Há que se considerar ainda as áreas de assentamentos rurais, de conservação, indígenas e outras (ver gráficos II e III).
MSM – E quanto custa a Reforma Agrária para os cofres públicos?
GEDEÃO – É muito cara! Há que se considerar os gastos de Assentamento e os do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Rural (PRONAF).
Gráfico II - Terras Brasileiras. |
Gráfico III - Estrutura Agrária. |
MSM – Que outras ameaças estão enfrentando os fazendeiros?
GEDEÃO - Existem, na realidade, três reformas agrárias em curso no país. Além da do INCRA, há as desapropriações de terras indígenas e a dos quilombolas. E nestas duas a situação é muito pior, pois as desapropriações podem ser feitas por rito sumário! Enquanto a do INCRA desapropriou 68 milhões de m², as de terras indígenas já atingem 105,6 milhões de m². Em Roraima, em função das reservas Raposa Serra do Sol e Ianomâmi, sobram apenas 7% da terra para cultivo pelos agricultores. Uma situação explosiva, como estamos vendo no noticiário todos os dias.
MSM – Como está a situação nos quilombos e quilombolas?
GEDEÃO – As comunidades Quilombolas já certificadas são 584, sendo 53 com áreas já delimitadas num total de 326.167 ha. A média é de 6.150 ha por comunidade. Nestas comunidades residem 3.866 famílias, com uma média de 74 ha/família. Mas o ritmo de expansão aumenta exponencialmente. Segundo a Fundação Palmares, são 3.000 as comunidades a serem reconhecidas. Estima-se que a área total a ser reconhecida e desapropriada corresponde a 20 milhões de ha, 4 vezes a área do Estado do Rio de Janeiro ou 20% das atuais áreas indígenas (dados da CNA e da ABRAF - Associação Brasileira de Produtores de Florestas Plantadas).
MSM - Como se definem os quilombos e quilombolas?
GEDEÃO - O artigo 68 da Constituição Federal de 1988 atribui o direito de propriedade definitiva aos remanescentes das comunidades de quilombos, grupos formados por escravos foragidos, que estejam ocupando suas terras. Mas hoje o termo é usado para designar a situação de todos os segmentos afro-descendentes. Na prática, a procura dos direitos de quilombolas e o reconhecimento e delimitação de áreas que pretendem ocupar, estão definidos pelo Decreto 4.887/03, que está criando uma confusão de grandes proporções e efeitos catastróficos. Por determinação desse decreto, na prática, os únicos critérios para reconhecimento da condição de quilombola e delimitação das áreas por eles ocupáveis são o da auto-declaração e o da própria indicação: “para a medição e demarcação das terras, são levados em consideração critérios de territorialidade indicados pelos remanescentes das comunidades dos quilombolas”. A Fundação Cultural Palmares, do Ministério da Cultura, pode reconhecer como quilombola qualquer comunidade afro-descendente, mesmo que ainda não esteja ocupando as terras que pretende! O problema é enorme no Espírito Santo, onde até cidades se encontram dentro dos limites requeridos.
MSM – Com base em qual estatuto foi emitido o Decreto 4.887?
GEDEÃO - A pseudo-fundamentação desse absurdo é o que determina a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que prevê o direito de autodeterminação dos povos indígenas e tribais. E se essa lógica for levada a sério, os povos indígenas e tribais deverão constituir-se em Estados independentes dentro do território brasileiro! O decreto criou o absurdo conceito de auto-definição da própria comunidade. Com a intensa miscigenação que houve no Brasil entre europeus, índios e africanos, quase todo mundo pode se dizer um afro-descendente ou quilombola, e quem se declara afro-descendente passa a ter automaticamente direitos adquiridos sobre terras alheias, pela simples declaração de que elas teriam pertencido a seus antepassados! Quilombola é quem se diz quilombola! Os quilombolas beneficiados são obrigados a formar uma Associação, que é titulada. Ou seja, coletivismo agrário do tipo russo ou chinês. O título é coletivo e pró-indiviso, com obrigatoriedade de cláusula de inalienabilidade, imprescritibilidade e impenhorabilidade. Tudo fica nas mãos do Estado. Os quilombolas passam a ter direito coletivo à área delimitada e a todas as benesses do governo, isto é, verbas, financiamentos, bolsa-família, cestas básicas etc.
Créditos- Investimentos assentamentos. |
Pronaf. |
(Parte das informações sobre os quilombolas foi complementada pelo entrevistador em pesquisa no site Paz no Campo).
por Heitor De Paola para Midia Sem Máscaraem 11 de outubro de 2007
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