A volante que faltava
O cangaço urbano, louvado pelo cinema brasileiro, encontrou sua volante — a “Elite da Tropa” de José Padilha, um culto à criminalidade fardada
JOSÉ MARIA E SILVA
Engana-se quem pensa que o filme Tropa de Elite, do diretor José Padilha, critica os intelectuais de esquerda, supostos defensores dos “direitos humanos”, e enaltece a polícia. Na verdade, como se pretende demonstrar neste artigo, o filme segue à risca a ética do pervertido cinema nacional e já está servindo como mais um instrumento da esquerda em sua continua subversão dos valores morais. E não poderia ser diferente. Seus protagonistas diretos e indiretos, como o próprio José Padilha e o antropólogo Luiz Eduardo Soares, que escreveu em co-autoria o livro Elite da Tropa, têm uma vida pregressa de crítica sutil mas corrosiva à legalidade. A se crer no filme, a polícia brasileira gravita, inevitavelmente, entre dois pólos — a violência e a corrupção. Os soldados do Bope são violentos; os soldados da PM convencional são corruptos. E não há meio-termo entre esses extremos, a não ser quando o mesmo policial é, a um só tempo, violento e corrupto. Mas para a maioria dos sempre equivocados intelectuais brasileiros, o filme faz uma apologia da polícia, para o bem ou para o mal. Uns acham que ele beira o sublime, por humanizar os policiais; outros sustentam que é fascista, por enaltecer a violência que eles praticam contra as favelas.
Na verdade, o filme depõe contra a imagem da polícia, ainda que, num primeiro momento, pareça enaltecê-la. A revista Veja — eleita pela esquerda como a inimiga pública nº 1 do Brasil — deixou-se levar pelas aparências e não economizou elogios ao filme. Seu entusiasmo por Elite da Tropa foi ainda maior do que o entusiasmo com que ela recebeu o livro A Cabeça do Brasileiro, do sociólogo Alberto Carlos Almeida, outro Cavalo de Tróia esquerdista que invadiu os redutos do liberalismo. Para a revista, Tropa de Elite “não rompe só com a tradição nacional de narrar a história do ponto de vista do bandido: rompe com a visão pia e romantizada do criminoso”. No texto da repórter Isabela Boscov, a revista se rende definitivamente ao filme: “No cinema brasileiro, o bandido foi antes de tudo um romântico, um inconformista. Isso até agora. O impacto de Tropa de Elite mostra com clareza que o cinema nacional precisa de uma nova sociologia. A platéia sabe que escolher entre uma polícia corrupta e uma polícia violenta não é escolha. Mas dá sinais de que não quer mais ver a bandidagem mitificada”.
Para comprovar o que disse, a revista até encomendou uma pesquisa ao Instituto Vox Populi, tão logo o filme estreou nos cinemas, após se consagrar como campeão de pirataria. Entre os entrevistados na pesquisa, 94 por cento disseram ter gostado do filme contra apenas 6 por cento que afirmaram o contrário. Por outro lado, 79 por cento dos entrevistados disseram que o filme mostra a polícia como ela é, enquanto 72 por cento consideram que, em Tropa de Elite, os traficantes são tratados como merecem. E, para completar, 53 por cento das pessoas ouvidas pelo Vox Populi consideram que o capitão Nascimento, personagem principal do filme, é um herói. Mas o detalhe que mais entusiasmou os adversários da esquerda foi a seguinte pergunta feita pela pesquisa: “O capitão Nascimento tem razão ao dizer que a culpa pela existência dos traficantes é dos usuários de droga?”. “Sim” — foi a resposta esmagadora de 85 por cento dos entrevistados, contra apenas 13 por cento que disseram “não”.
À primeira vista, os entrevistados estão certos. Qualquer palestrante que for falar sobre droga para uma platéia de jovens, sobretudo das classes média e alta, tem de lançar mão desse argumento. Mostrar para o jovem que seu vício é o combustível do tráfico pode levá-lo a desenvolver em si um pouco da ética cristã e também kantiana, domando o eu para que ele se coloque no lugar do outro. Assim ele vai aprender que o pó que chega a suas narinas pode estar tingido do sangue de muitos inocentes que, sem querer, estavam no caminho do tráfico. Mas uma coisa é um pai lembrar isso ao filho ou um palestrante dizer isso numa conferência. Outra coisa é um policial exercer a Justiça com base nessa premissa. Dizer que a culpa pela existência dos traficantes é dos usuários de droga não pode ir além da metáfora. Tomar isso ao pé da letra, como querem os admiradores de Tropa de Elite, é instaurar na civilização ocidental o mecanicismo justiceiro da barbárie primitiva.
Nas sociedades primitivas, a pena não se importa com o tamanho da culpa. Por isso, ela não é justiça, mas vingança. Só que vingança — convém ressaltar — nada tem a ver com a máxima “olho por olho, dente por dente”. Onde está a vingança se “olho” equivale a “olho” e “dente” equivale a “dente”? Essa máxima, na verdade, tem de ser vista como sinônimo de Justiça, com maiúscula, e não como sinônimo de vingança, como todo mundo faz, irrefletidamente. As antigas leis da humanidade, como o Código de Hamurábi, eram vingativas justamente porque não seguiam à risca esse princípio e prescreviam pena de morte para quem roubasse gado, por exemplo. Nesse caso, trata-se de vingança, porque não há a equivalência prescrita pela Lei de Talião. O furto de um bem material não pode ser pago com a vida, porque os bens são riquezas que o homem produz e podem ser repostas, enquanto a vida é uma dádiva que ele recebe e não tem retorno se lhe é tirada. Bem se paga com bem, vida se paga com vida — isto é, olho por olho, dente por dente.
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Modelo para as demais polícias, o Bope assiste passivamente a motins de presos, mas não hesita em fazer Carandiru em favela |
E aí voltamos à Tropa de Elite de José Padilha. O capitão Nascimento diz para o usuário de droga que ele é responsável pela morte do traficante não como metáfora, no contexto de uma palestra ou num conselho de pai para filho, mas de fuzil na mão, no fragor de uma guerra em que o salário do pecado é a morte cruenta. Ora, isso é olho por alho, dente por pente. Se essa ética do capitão Nascimento for kantianamente universalizada, e o usuário de drogas for mesmo considerado culpado pelo traficante, então, quem faz sexo sem camisinha é culpado por sua Aids e o fumante inveterado é culpado por seu câncer. Volto a repetir: é claro que, numa palestra, o médico, para amedrontar seu paciente ou desafiar sua moral, pode dizer isso para quem contraiu Aids ou quem padece de câncer. Eu mesmo defendo que padres e pastores façam campana no HDT esfregando a Aids na cara de homossexuais bacantes e usuários de drogas, para ver se eles sentem remorso de tirar dinheiro de UTI de criança para custear a caríssima conseqüência de seus vícios. Isso é Justiça, olho por olho, dente por dente. Mas negar-lhes o coquetel seria vingança, olho por alho, dente por pente, salvo para um paciente de Aids que — por dolo, comprovadamente — tenha contaminado outra pessoa.
O que o Bope faz não é Justiça, mas vingança. Ele trata a bala não somente o traficante, mas também o usuário e até o favelado que se interpõe em seu caminho. Justiça é hierarquia. Uma punição só é justa se ela é capaz de graduar o crime de acordo com sua gravidade. O que o Brasil precisa não é de uma polícia que escala morro na calada da noite, atirando a esmo em qualquer vulto que se mova entre casas de família. Por mais que os adultos das favelas sejam cúmplices dos traficantes, — e a maioria, voluntariamente, não é, — suas crianças de colo não podem ser mortas a bala pelo pecado de seus pais. Há muito a civilização circunscreve a pena aos limites do criminoso, sem punir seus ascendentes e descententes, como se fazia no passado. O que o Brasil precisa é de uma elite menos covarde, capaz de defender um Estado civilizado — com prisão perpétua e pena de morte, executada às claras, com ampla defesa e julgamento público.
Se a nossa elite intelectual não fosse abjeta, um bandido como Fernandinho Beira-Mar já estaria na fila da cadeira elétrica há muito tempo e sua morte pouparia muitas vidas inocentes. Quando ele determina uma insurreição nas favelas e o Bope é chamado a escalar o morro, quantos inocentes não são esmagados no caminho de traficantes e policiais? Fico tentado a fazer como o capitão Nascimento: — “Quem é culpado por essas mortes, dona Marilena Chauí?” — “A polícia”, ela resmunga. E eu lhe grito nos tímpanos: “Que polícia que nada! É a senhora, sua pensatriz uspiana, defensora de bandidos!”. Um dos argumentos que essa gente usa contra a pena de morte é o de que um inocente pode ser condenado à morte, por um erro judicial. Para começar, é pouco provável que alguém verdadeiramente inocente seja condenado à morte, sobretudo num país como o Brasil, em que a Justiça é muito lenta. Nos raros casos de erro judiciário, o condenado não é de todo inocente. Geralmente, já havia cometido crimes e estava junto com o verdadeiro autor, portanto, era seu cúmplice. É quase impossível uma Madre Tereza de Calcutá ser arrastada de uma igreja para a cadeira elétrica — a não ser no comunismo chinês, pelo “crime” de ser religiosa num Estado ateu. Mas ainda que um verdadeiro inocente viesse a ser condenado injustamente à morte, seu raro martírio compensaria as dezenas de vida inocentes que são poupadas cada vez que um homicida serial é morto. Mas o intelectual de esquerda é uma aberração moral e não se rende a esses argumentos. Tanto que defende ferozmente o aborto, condenando crianças inocentes à morte, mas abomina a pena capital, sacralizando a vida de um assassino em série.
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O antropólogo Luiz Eduardo Soares, o ex-capitão do Bope Rodrigo Pimental e o soldado André Batista escreverem um livro pior do que o filme |
Causa espanto, por exemplo, a flagrante contradição nos depoimentos dos policiais que colaboraram com o diretor José Padilha na produção de seu filme. Em 20 de maio de 2006, o jornal O Estado de Minas trouxe uma reportagem sobre o livro Elite da Tropa, que estava sendo lançado na época e que inspiraria o filme quase homônimo, apesar de José Padilha não basear seu filme diretamente no livro. Aliás, se o fizesse, aí que seria difícil salvar a imagem da polícia, porque a polícia que emerge de Elite da Tropa é infinitamente pior do que o cangaço de Lampião. Ela parece ser fruto da pura ficção dos autores e não nos fatos reais nos quais eles dizem se inspirar. Na época da reportagem do jornal mineiro sobre o livro, a cidade de São Paulo estava vivendo sob os atentados do PCC. Eis o que diz a repórter Ângela Faria n’O Estado de Minas a respeito da guerrilha urbana promovida pelo PCC: “Com 11 anos de experiência na PM, Rodrigo Pimentel alerta: na prática, visitas íntimas, TVs e celulares funcionam como instrumentos para distensão e negociação nos presídios. Eliminá-los pura e simplesmente terá conseqüências”.
Confesso que não entendo: como é que um capitão do Bope, que não transige com a vida de crianças nas favelas, quando o bandido se mistura com elas, pode ser tão condescendente com uma matilha de criminosos dentro de uma penitenciária, prescrevendo-lhes — em vez de balas calibre 7.62 — TV, celular e até mulheres, para serem seviciadas por eles sob o eufemismo das chamadas “visitas íntimas”? Por isso, não passa um mês sem que não tenha um motim em presídio pelo país afora. Nesses motins, que sempre terminam com a vitória dos amotinados, os bandidos trucidam seus comparsas, de peito aberto, sobre caixas-d’águas, sob o olhar inerme dos atiradores de elites, que se limitam a montar guarda para a carnificina. Mas essa inércia tem um preço. No dia seguinte, esses mesmos atiradores de elite que assistem passivamente as chacinas praticadas por bandidos dentro das dependências públicas de penitenciárias são escalados para entrar no aconchego precário dos barracos, compondo a famigerada Força Nacional de Segurança. Nas penitenciárias, entre facínoras, não se pode ter Carandiru, mas nas favelas, entre crianças, pode.
Na semana passada, o próprio Instituto de Segurança Pública, órgão da Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro, divulgou os dados das pessoas que morreram em confrontos com a polícia no Estado, de janeiro a agosto deste ano. Segundo o instituto, foram 845 mortos, o que representa um aumento de 15 por cento em relação às 732 pessoas que morreram no mesmo período do ano passado. Na quarta-feira, 17, na Favela da Coréia, houve 13 pessoas mortas num confronto da Polícia Civil com traficantes, entre elas, uma criança de quatro anos. Obviamente, cada vez que as forças de segurança pública matam um inocente, a população das favelas passa a confiar menos ainda no Estado oficial e se entrega um pouco mais ao Estado paralelo representado pelo narcotráfico.
E quem mais tira proveito dessa situação são os intelectuais de esquerda, que pensam no bandido como bucha-de-canhão revolucionária. E continuam pensando, apesar de Tropa de Elite. Na Folha de S. Paulo, no sábado, 20, o cineasta paulista Bráulio Mantovani, roteirista de Cidade de Deus e Tropa de Elite, fez uma apaixonada apologia dos bandidos, citando Ferréz e concordando que, quando o rico perde o relógio num assalto, tem que considerar que foi um bom negócio não ter perdido a vida. A Folha convidou Mantovani para a entrevista, justamente porque a ficção havia cruzado com a realidade e a “Tropa de Elite”, entrando na Cidade de Deus, matara duas pessoas. Numa comparação entre polícia e bandido, o cineasta Bráulio Mantovani — repita-se, roteirista de Tropa de Elite — não deixou dúvida a respeito de qual é o seu lado: “Os traficantes garantem uma certa paz pela força bruta e são tão implacáveis quanto os do Bope. A diferença: em alguns casos, é possível conversar com os traficantes. Com a polícia, salvo engano de minha parte, essa possibilidade não existe”. A mídia não é o morro, e a ação da Tropa de Elite militar será sufocada pelo verbo da elite da tropa esquerdista.
O ministro Fernando Haddad é filho do dogmatismo que critica
Confesso que não suporto o ministro da Educação, Fernando Haddad. A antipatia começou no dia em que ele — ao contrário de todos os últimos ministros da Educação — se recusou a responder à revista Época se seus filhos estudavam ou não em escola pública. Mandou dizer que esse era um assunto privado, sem interesse público. Um comportamento de coronel de interior, não do professor da USP que ele é. Deveria aprender com o prefeito de Goianésia, Otávio Lage Filho, que, mesmo não tendo seus títulos acadêmicos, tem muito mais sensibilidade. Otávio Filho criou uma escola para os funcionários de sua usina e a inaugurou com a própria filha, que foi estudar junto com os filhos dos cortadores de cana.
Fernando Haddad é da família intelectual de Tarso Genro, Márcio Tomaz Bastos, Renato Janine Ribeiro e Fernando Henrique Cardoso. Escolados em Gramsci e Adorno (com exceção de Bastos, que não parece ser escolado nem em direito), todos eles são marxistas melífluos, que vão matando insidiosamente o país, como um diabetes ideológico. Na semana passada, a revista Veja, além de se deixar enganar por Tropa de Elite, também parece ter acreditado na profissão de fé liberal do ministro da Educação. Fernando Haddad foi o entrevistado de suas páginas amarelas.
Na entrevista, intitulada “Longe dos Dogmas”, a revista perguntou ao ministro se as escolas brasileiras, como afirmam alguns críticos, realmente passam aos alunos uma visão retrógrada de mundo. Fernando Haddad respondeu que o “dogmatismo” é um problema, que ele “exclui da escola a diversidade de idéias na qual ela deveria estar apoiada, por princípio, e ainda restringe a visão de mundo à de uma velha esquerda”. E acrescentou: “Sempre digo que, em uma igreja ou em um partido político, as pessoas têm o direito de promover a ideologia que bem entenderem, mas nunca em uma sala de aula”.
Nas entrelinhas desse discurso aparentemente liberal, esconde-se um esquerdista. Escola básica, ao contrário do que pensa o ministro, não tem que ter “diversidade de idéias”, que deve ser característica do ensino superior. O ensino básico, como o próprio nome diz, deve evitar, na medida do possível, tudo o que é controverso. Seu papel é o do alicerce numa casa. A pluralidade de idéias, tão defendida pelas diretrizes do MEC, desde o gramsciano governo de Fernando Henrique Cardoso, é a responsável pela miséria educacional brasileira. A sala de aula virou programa de auditório, em que o exotismo prevalece sobre a sensatez.
O ministro trata as recentes denúncias sobre a doutrinação esquerdista dos livros didáticos como algo pontual, quando, na verdade, ela é absolutamente generalizada. Mas que autoridade intelectual Fernando Haddad tem para falar em dogmatismo? Seu currículo Lattes no CNPq informa que ele “atua principalmente nos seguintes temas: Habermas, Marx-Marxismo, Materialismo Histórico”. Depois de graduar-se em direito em 1985, Fernando Haddad concluiu seu mestrado em economia, em 1990, com a seguinte dissertação: “O caráter socio-econômico do sistema soviético”. Pelo título, já se percebe que essa tese nada tem de pesquisa científica — é puro lixo ideológico. Haddad, o ministro que quer revolucionar a educação brasileira, gastou dinheiro público na USP para descobrir o que criança da pré-escola já sabe — que o sistema soviético tem um caráter sócio-econômico.
Em 1996, Fernando Haddad fez doutorado em filosofia, defendendo a tese “De Marx a Habermas: O Materialismo Histórico e Seu Paradigma Adequado”, orientada pelo marxista Paulo Eduardo Arantes. Não li nenhuma das duas teses, mas ouso afirmar que elas não valem o papel em que foram escritas. Haddad deveria ter ao menos poupado as árvores. Assim como não respeito esses pastores evangélicos caça-niquéis que se metem a escrever sobre Cristo, também não posso respeitar um professor universitário caça-rebanho que se mete a fazer pesquisa sobre Marx.
O que é possível dizer de novo a respeito de Marx que mereça ser financiado com dinheiro público numa caríssima Universidade de São Paulo? Gente que se arvora a marxista moderno como Haddad me faz sentir certa saudade é do velho marxismo de Mao Tsé-Tung. Na Revolução Cultural chinesa, o velho Mao encontraria uma vocação melhor para Fernando Haddad — ele iria plantar batatas num campo de reeducação revolucionária.
http://www.jornalopcao.com.br/
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