“Sem um capitalismo de primeira linha não pode existir bem-estar ou, menos ainda, um Estado beneficente.” (Mauricio Rojas)
A Suécia é um ícone sempre citado pelos adeptos desta “terceira via”. Entretanto, há muita informação ignorada sobre o modelo sueco. O novo livro de Mauricio Rojas, um chileno naturalizado sueco, que é membro do Parlamento da Suécia e foi professor de história econômica da Universidade de Lund, vem justamente resgatar fatos importantes comumente esquecidos pelos fervorosos defensores do modelo de welfare state sueco. O Instituto Liberal presta um grande serviço ao país traduzindo A Suécia Depois do Modelo Sueco, onde Rojas explica a transição do modelo de um Estado beneficente para um Estado possibilitador. Rojas lamenta a crença naquilo que é, na verdade, um mito: “Triste destino esse de ter fé em quimeras políticas em vez de acreditar naquelas instituições da liberdade econômica que deram, primeiro à Europa Ocidental e aos Estados Unidos, e depois a um número cada vez maior de países, um bem-estar que nem sequer em sonhos se teria podido imaginar há dois séculos atrás”. Para o autor, o modelo sueco é “a última utopia de uma esquerda que depois da queda dos totalitarismos comunistas foi ficando com as mãos cada vez mais vazias”.
O próprio povo sueco já vem abandonando faz algum tempo esse modelo maximalista do Estado beneficente. Os seus custos foram elevados demais, mesmo para um país de população pequena – apenas nove milhões de pessoas - e educada, que não sofreu as conseqüências devastadoras das guerras que destruíram os demais países da Europa. Além disso, a herança do que podemos chamar de período liberal da história da Suécia, que vai desde a instauração da plena liberdade de indústria e comércio em 1864 até o início da hegemonia social-democrata em 1932, foi o que possibilitou uma expansão tão assustadora do governo na vida do povo, oferecendo mais e mais à custa de pesados impostos. A carga tributária total, por exemplo, duplicou entre 1960 e 1989, passando de 28 para 56 por cento da renda nacional. Mas algum dia o fardo seria excessivo demais. E este dia de ajustes necessários já chegou.
Uma das conseqüências mais óbvias do avanço estatal na economia foi a rápida expansão da economia planificada à custa da economia de mercado. A partir de 1950, praticamente todo emprego líquido criado na Suécia se deu no setor público. O aumento da burocracia e a concomitante queda da liberdade econômica logo geraram resultados nefastos. A Suécia, que era o quarto país mais rico do mundo em termos de renda real per capita em 1970, ocupou em 2003 o 14º lugar no ranking da OCDE. Entre 1975 e 2003 a economia sueca cresceu 68% enquanto a norte-americana aumentou 141%. A estagnação era um resultado inexorável da gradual asfixia do setor privado. As grandes empresas suecas, em sua maioria, são empresas que já eram grandes no passado. O modelo sueco, focado demais na igualdade, não deixava muito espaço para a mobilidade.
Além disso, deve-se ter em mente o alerta que Hayek fez, afirmando que a mudança mais importante que um controle extensivo do governo produz é uma mudança psicológica, uma alteração no caráter das pessoas. A vida dos cidadãos suecos se viu amplamente politizada, já que a liberdade de escolha estava severamente restrita. O meio de conseguir as coisas era o meio político, da barganha e da luta por privilégios. O monopólio estatal sobre a organização de serviços básicos como educação, saúde e assistência social fez com que as decisões mais íntimas das famílias fossem submetidas à influência política. Teve até um caso de um idoso que entrou na justiça defendendo seu “direito” de ter prostitutas pagas pelo governo! O ressentimento entre jovens – que assumem a conta – e idosos aumenta exponencialmente. Esta realidade contrasta absurdamente com um provérbio curiosamente sueco, que diz que “o melhor lugar para achar uma mão que ajude é no final do seu braço”. O paternalismo excessivo cria inúmeros parasitas.
A passividade diante de um Estado paternalista que “cuida” dos cidadãos nos mais variados aspectos cria um moral hazard brutal na sociedade. Os escândalos de corrupção cresceram de forma impressionante, chocando a nação. Em caso sintomático envolveu quase uma centena de funcionários do poderoso monopólio estatal da venda de bebidas alcoólicas, cuja chefe era nada menos que a esposa do primeiro-ministro.
Outra seqüela importante do welfare state acaba sendo a xenofobia, já que os beneficiados pelo esquema de privilégios temem a invasão de imigrantes pobres em busca das mesmas regalias grátis. Com pesados impostos, os mais ricos e produtivos acabam fugindo para países mais amigáveis, levando ao conhecido brain drain, enquanto vários imigrantes necessitados tentam entrar no país para aproveitar vastos serviços públicos gratuitos. Nas vizinhas escandinavas, como Noruega e Dinamarca, já existem partidos xenófobos influentes, que fizeram da “questão da imigração” o tema fundamental. Este crescente sentimento de reclusão é uma realidade preocupante nos países com inchado welfare state.
A partir de 1990 os ventos começariam a soprar em nova direção na Suécia. O abandono sucessivo do modelo de Estado beneficente ocorreu durante esta década. A crise econômica estava em patamares preocupantes, e a taxa total de desemprego subiu de 2,6% em 1989 para 12,6% em 1994. A crise fiscal que se seguiu foi extremamente aguda. O déficit público explodiu, alcançando 12,3% da renda nacional em 1993. A exclusão em bairros marginais assustou uma população acostumada com um elevado grau de igualdade. Em 1991 era eleito para primeiro-ministro Carl Bildt, do Partido Conservador. Pela primeira vez a social-democracia foi derrotada por uma coalizão que manifestava abertamente o desejo de mudar profundamente o sistema vigente.
Entre as várias reformas adotadas, está o saneamento das contas fiscais através da redução do gasto público, que chegou a cair mais de quinze pontos percentuais em relação à renda nacional. A dívida pública baixou de 80 para 53 por cento da renda nacional entre 1994 e 2000. Além disso, a liberdade de escolha foi radicalmente ampliada, como no caso da educação, utilizando-se os vouchers desde 1992, garantindo a liberdade dos pais dos alunos para decidir onde colocar seus filhos para estudar. Do lado da oferta, houve uma ampla liberdade de estabelecer escolas independentes e de competir com o setor público. O sistema de pensão também foi reformado, e foi estabelecido o direito de decidir com plena liberdade a aplicação de uma parte da poupança entre uma grande variedade de fundos. O capitalismo era estimulado assim, despertando interesse popular inusitado pelas variações na bolsa de valores. O Riksbank, banco central sueco, passou a focar na estabilidade de preços com uma meta de inflação de apenas 2%. Inúmeras privatizações ocorreram também, reduzindo a intervenção estatal em importantes setores. Segundo o World Fact Book, da CIA, as firmas privadas já são responsáveis por 90% da produção industrial do país.
A pluralidade e diversificação são inimigas do igualitarismo, que nos remete ao “fordismo”, cuja filosofia pode ser expressa por Henry Ford ao dizer que os consumidores poderiam livremente escolher o automóvel de sua preferência, desde que fosse um Ford Modelo T de cor preta. Colônias de insetos gregários não combinam com liberdade de escolha individual. O povo sueco vem se mostrando cada vez mais cansado desta perda de liberdade. O custo da suposta igualdade ficou elevado demais. No vale das quimeras, onde o governo garante uma vida “digna” a todos sem muito esforço, o resultado na prática é sempre um rio de lágrimas. Para Mauricio Rojas, este modelo paternalista se tornou incompatível com o desenvolvimento da sociedade, e “hoje já pertence ao mundo das recordações e dos mitos”. *
* Outra fonte muito boa de informação sobre a realidade sueca pode ser encontrada no artigo The Sweden Mith, do economista Stefan Karlsson, publicado no Mises Institute. Nele, o economista, que trabalha na Suécia, mostra como o afastamento de guerras desde 1809 foi um dos fatores mais importantes no relativo sucesso da Suécia, assim como as reformas de livre mercado adotadas nos anos 1860. Entre 1870 e 1950, a Suécia se transformou num dos países mais ricos do mundo. Mas entre 1950 e 1975, os gastos do governo subiram de 20% para 50% do PIB. As mudanças tornaram o país menos competitivo em termos globais. A moeda, o krona, acabou sendo desvalorizada. A inflação começou uma escalada contínua. Portanto, usar a Suécia como ícone de sucesso do modelo de welfare state é uma falácia. Na verdade, a Suécia enriqueceu por conta tanto do liberalismo como de sua neutralidade militar, e o inchaço estatal plantou as sementes do relativo fracasso. Reformas liberais têm sido adotadas para reduzir o estrago causado pelo tamanho do Estado. Correlação não é causalidade. A Suécia desfruta de boa qualidade de vida a despeito do welfare state, não por causa dele.
# por Rodrigo Constantino
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