Tais fatos mostram que o uso e o tráfico de entorpecentes não estão diretamente ligados à pobreza, como a violência também não está. Então, nos tempos atuais, nossa sociedade convive com dois perfis diferentes de traficantes: de um lado, pobres, de baixíssima escolaridade, que residem em favelas; do outro lado, os que residem em condomínios fechados ou em edifícios de luxo. Estes têm boas moradias e freqüentam universidades particulares. Logo, com acesso à educação, além da inclusão digital. Mas, em suma, são todos bandidos, a despeito das diferenças socioeconômicas e culturais.
Dos acusados de tráfico até o momento, presos na Operação Octógono, oito têm entre 18 e 26 anos, são de cor branca, moradores na zona sul. A única mulher presa tem 18 anos e preparava-se para prestar vestibular - portanto, com ensinos fundamental e médio completos (12 anos). Somente um dos presos conta com 36 anos de idade, mora no subúrbio da Leopoldina e trabalha como motorista de táxi. E, segundo foi divulgado pela imprensa, ele dirigia para o chefe do bando, o que sói óbvio, uma vez que a entrada de um táxi em áreas de favelas desperta poucas suspeitas... Eles também compravam drogas nas favelas, para revendê-las em meio a outros abonados de suas relações.
Vivemos duas realidades, portanto: o tráfico nas favelas, feito por pobres e incultos, com três a quatro anos, no máximo, de estudo - evasão escolar, em rede de ensino de baixíssima qualidade; e os "jovens abonados", com cerca de 12 anos de estudo, sendo boa parte de universitários - portanto, com mais de 12 anos de estudo.
Há, dentre a maioria, um fato comum: as famílias desses "jovens abonados", em grande parte, tinham conhecimento de seus envolvimentos com drogas. E um deles é filho de policial. Outro, enquanto menor, já tivera passagem por porte e uso de drogas. Daí, os pais perguntam-se, quando "surpreendidos" com as prisões de seus filhos: - onde nós falhamos? A resposta é clara e cristalina. Falharam na educação dos filhos; foram ausentes e negligentes; foram lenientes com o uso de drogas e com as más companhias dos filhos. Não há qualquer fórmula mirabolante para explicar tais falhas. Antropólogos e sociólogos até dizem que jovens criados em condomínios fechados perdem o convívio com a sociedade, de um modo geral, e com os pobres, em especial. Pura tergiversação. Tais tecnocratas beiram às raias do ridículo com a pobreza de tais discursos.
Como bem pode-se notar, o tráfico de entorpecentes está em constante evolução e, seguramente, as drogas sintéticas, já correspondem ao carro-chefe do tráfico, até porque são facilmente transportadas e alguns comprimidos rendem bons ganhos ao traficantes do asfalto. Hoje, graças a grande produção na Holanda, a droga sintética mais freqüentemente usada é o MDMA (ecstasy), havendo também consumo, em menor escala, do LSD. Vivemos a era das anfetaminas, metanfetaminas, LSD, Special K etc. Porém, a cocaína, o crack, a cannabis, a maconha hidropônica, o Skank e o haxixe ainda têm grande papel no mercado de narcóticos
E como proceder? Como combater essa modalidade de tráfico se, afinal, mal se consegue combater o tráfico e uso de maconha e cocaína?
Em primeiro lugar, o papel dos pais (da família) é a base de tudo. Saber impor limites e cobrar deveres e responsabilidades. Acompanhar, par e passo, o desempenho estudantil dos filhos, participando continuamente das reuniões de pais e professores. Controlar, de forma rigorosa, as companhias dos filhos, informando-se detalhadamente a respeito. Exercer controle sobre as relações dos filhos, quer sejam interpessoais, telefônicas ou virtuais pela "world wide web" (internet). Não se trata de tolher a liberdade dos filhos e tampouco invadir-lhes a privacidade, como certamente protestarão os oportunistas tecnocratas sociais; mas, objetiva e precipuamente, viver, conviver, acompanhar e participar da vida dos filhos, mantendo-os integrados à família, numa relação, clara e honesta, de recíproca confiança.
Outro fator importante é o que cientista político James Q. Wilson e o psicólogo criminologista George Kelling, conceberam, em 1982 e publicaram num artigo na revista The Atlantic Monthly: a teoria da janela quebrada. Essa teoria defende que pequenos problemas não-solucionados acabam tornando-se grandes problemas, ou seja, "se alguem quebra uma janela e vê que a mesma não foi logo consertada, a mensagem é que pode-se quebrar as demais janelas e quem sabe até destruir todo o prédio ou mesmo incendiá-lo". As pessoas, pelo geral, adquirirão a idéia de que ninguém se preocupa, e de que ninguém parará de quebrar mais e mais janelas. Quando as janelas nunca são consertadas, e mais estão sendo quebradas, um senso de desordem é criado. Um senso que facilita, quando não incita tacitamente, à mais ação criminal. E o que isso tem a ver com os pais. Muito! Como se dá de hábito, os pais raramente são surpreendidos pelo fato de seus filhos usarem drogas - podem até sê-lo, vá lá, quanto ao tráfico... Mas daí dizerem que nunca notaram nada de anormal no comportamento do filho e coisa e tal... isso não! Mudam o comportamento e os valores; o linguajar transforma-se; as companhias são progressivamente as piores possíveis; o rendimento escolar cai; o relacionamento em família, em casa, deteriora-se. O anormal é não notar tais anormalidades. E só a ausência e a leniência dos pais justifica a falta de observação. E, segundo o brilhante economista Steven D. Levitt, uma vez que a personalidade ou a criatividade não são de fácil e acessível mensurações, "a educação é o núcleo da formação de um criança e faz todo o sentido começar pelo conjunto revelador dos dados escolares". E um dos jovens traficantes estava cursando psicologia mas mantinha-se ausente da faculdade. Portanto, nesse diapasão, tudo resume-se na atuação participativa dos pais.
E qual o papel da escola? Ensinar, acompanhar, avaliar e manter estreita relação com os pais e os alunos. Logo, tornam-se mister programas de informação e conscientização dos males causados pelas drogas. Infelizmente, muitas escolas preocupam-se apenas em auferir lucros, deixando de lado o importante papel do educador. E ainda pagam mal seus professores.
E no campo policial? O que fazer? A prevenção deve ser a base do policiamento; todavia, a repressão eficiente e eficaz faz-se intensamente necessária. Indubitavelmente o tráfico de entorpecentes é a mola propulsora de inúmeros matizes da violência urbana: disputas territoriais; enfrentamento aos agentes do Estado; contrabando de armas; homicídios, furtos, roubos, latrocínios etc. E, para que se tenha Eficiência de uma ação de polícia (relação entre o esforço empregado na implementação de uma dada política e os resultados alcançados - relação com os meios) e Eficácia de uma política de segurança pública (a comparação entre as metas previstas e as metas alcançadas - relação com resultados), necessário se faz o combate à corrupção policial, melhor processo seletivo, treinamento, corregedorias internas minuciosas, salários dignos e aumento do efetivo. Sem tais variáveis não se combaterá o crime e muito menos o tráfico. Mas sempre com total engajamento da sociedade. Como bem discerniu Sir Robert Peel (Inglaterra, 1829), "A Polícia é o Público e o Público é a Polícia, e policiais são apenas membros do Público, pagos para dar atenção integral aos deveres que na verdade competem a todo cidadão...".
E quanto as leis? Combater ou descriminalizar as drogas? Infelizmente vemos hoje pessoas públicas - intelectuais, artistas, políticos, magistrados... - defenderem, de formas inconseqüente e amadorística, a descriminalização das drogas. E citam como exemplo o modelo holandês. E o pior é que desconhecem que na Holanda tal modelo não deu certo, porquanto aquele país ascendeu ao topo dos índices de criminalidade européia. Poderiam dar-se ao "trabalho" de ler o livro de Ib Teixeira, intitulado "VIOLÊNCIA SEM RETOQUE", que bem discorreu sobre o modelo holandês. Deveriam consultar o livro "Meninos Bandidos Atacam - E nem sabemos o que fazer com eles", do jornalista, escritor e criminólogo Percival de Souza, onde ele traduz, de forma concisa, que "de todos os adolescentes internados no Brasil inteiro por causa dos atos infracionais praticados, 85,6% eram usuários de algum tipo de droga antes da internação. As mais citadas: maconha (67,1%), álcool (32,4%), cocaína-crack (31,3%) e os inalantes (22,6%)"; e que "nas maiores cidades do país, 60% dos prisioneiros, a maioria na faixa de dezoito a 23 anos de idade, vieram de algum estabelecimento para menores". Então como falar em descriminalizar as drogas que tão rapidamente destroem uma sociedade, um país.
Alguns políticos encantaram-se com o modelo colombiano de redução da violência. Citam as "fantásticas" experiências na capital - Santa Fé de Bogotá - e na cidade de Medellin. Esquecem-se que, com desarticulação do cartel de Medellin, após a morte de Pablo Escobar e a prisão de outros narcotraficantes, houve controle da violência marcante das ações daquele "barão das drogas". Porém, a Colômbia não parou de produzir cocaína. A produção da droga foi superada pela Bolívia que, juntamente com a Colômbia e o Peru, ainda responde produção mundial de cocaína. E mais, esquecem-se que o presidente Álvaro Uribe era amigo pessoal de Pablo Escobar e idolatrado por aquele chefe do cartel de Medellín.
Segundo relata Virginia Vallejo, 57 anos, em seu livro "Amando a Pablo, Odiando a Escobar", da Editora Random House Mondadori, "O narcoestado sonhado por Pablo Escobar hoje está mais vivo que nunca na Colômbia"; que "Os narcotraficantes prosperaram na Colômbia não porque foram gênios, mas porque era muito barato comprar os presidentes", diz Vallejo, que também menciona três nomes como "narcopresidentes": Alfonso López Michelsen (presidente de 1974 a 1978), Álvaro Uribe (Diretor da Aeronáutica, de 1980 a 1982) e Ernesto Samper Pizano (presidente de 1994 a 1998). Virginia Vallejo prossegue dizendo que Uribe, enquanto diretor da Aeronáutica Civil, durante o governo de Julio César Turbay Ayala (presidente de 1978 a 1982), "concedeu dezenas de licenças para pistas de pouso e centenas para os aviões e helicópteros com os quais se construiu toda a infra-estrutura do narcotráfico"; e que Pablo costumava dizer que "Se não fosse por esse bendito rapaz ( o Uribe), teríamos de nadar até Miami para levar a droga aos gringos. Agora, com nossas próprias pistas, estamos feitos. É pista própria, aviões próprios, helicópteros próprios...". E, desta forma, eles levavam a mercadoria até Cayo Norman, nas Bahamas, que era o quartel das operações de Carlos Lehder; e dali para Miami. Logo, foram os anos dourados para Pablo, assim como para a família Ochoa, para Gonzalo Rodríguez Gacha, vulgo "Mexicano", e para Lehder. Eles transportavam até 300 quilos de cocaína por dia - em três anos eles passaram de ladrões de automóveis a donos de fortunas de 3 bilhões de dólares. Esse mesmo Álvaro Uribe, hoje presidente, aliou-se ao grupo guerrilheiro Exército de Libertação Nacional (ELN) - o governo da Colômbia vem negociando com o ELN, com a mediação de Cuba, mas as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) recusaram-se ao diálogo. E, tanto em Bogotá quanto em Medellin, milícias passaram a controlar as comunidades pobres. Recentemente, segundo a "Reuters", cinco parlamentares, 15 ex-políticos e empresários foram presos, por cumplicidade com esquadrões paramilitares da morte, num escândalo que se espalha sobre aliados do presidente Álvaro Uribe. Em outro golpe para o governo, o chefe de polícia e o comandante de inteligência foram substituídos depois que policiais foram indiciados por grampear telefones de jornalistas e políticos da oposição, o que pode revelar que, da prisão, líderes paramilitares encomendavam crimes. Uribe enfrenta pressões de críticos domésticos e da bancada democrata no Congresso dos EUA, céticos com respeito a aprovação de um acordo comercial e de ajuda militar para o combate a guerrilheiros de esquerda, devido à ligação entre parlamentares governistas colombianos e ex-milicianos de direita. Oito deputados foram presos neste ano sob acusação de cooperarem com paramilitares que cometeram seqüestros e massacres em nome do combate à guerrilha, até que se desarmassem num acordo com Uribe. A maioria dos ex-comandantes está presa. Autoridades disseram que os nomes de cinco atuais parlamentares e dos demais apareceram em um documento assinado por líderes paramilitares em 2001 na localidade de Santa Fé de Ralito, reduto da milícia. Já em Buenaventura, o porto mais importante da Colômbia na costa do Pacífico, os tiros ecoam com freqüência pelas favelas, transformando aquela cidade no centro mais mortífero na longa guerra interna do país. Tudo ilusão, quanto ao tão propalado modelo colombiano. Mas assim mesmo, o governador Sérgio de Oliveira Cabral Santos Filho foi a Bogotá e aprovou tudo quanto viu (?!). Também pudera, até o presente momento ele sequer resolveu o problema das milícias que até hoje dominam quase cem favelas no Rio de Janeiro.
De tudo isto, o mais surpreendente foi que o senhor Sérgio Cabral, juntamente com a juíza Flávia Viveiros de Castro, da 1ª Vara Cível do Rio de Janeiro, declararam-se favoráveis à liberação das drogas (?!). Até o secretário de segurança, delegado José Mariano Benincá Beltrame, declarou, com relação a "Marcha da Maconha", ocorrida no Rio de Janeiro, no mês de maio desse ano, que "pessoas adeptas a certas práticas têm o direito de manifestar sua opinião". Só que manifestantes vários marcharam fumando a erva, sem qualquer tipo de repressão. E também que, em se tratando de droga ilícita, aquela manifestação, em verdade, traduziu-se como apologia a essa droga. Os traficantes certamente, à época, ficaram agradecidos diante da "inocência" daquele delegado.
E, afinal, o que fazer com as leis? É por demais sabido que nossas leis mostram-se brandas com relação a determinados crimes. E o tráfico de entorpecentes é um dos melhores exemplos. Graças ao Supremo Tribunal Federal, os traficantes, que outrora eram enquadrados na Lei de Crimes Hediondos, hoje têm direito aos benefícios da lei - progressão de regime, visita periódica ao lar etc.
Nos EUA, o congresso aprovou, em 1986, uma série de leis de combate às drogas que aumentaram as penas de prisão e as tornaram obrigatórias, tirando dos juízes a possibilidade de trocar sentenças de prisão por tratamento em clínicas. Quem é preso com uma pequena quantidade de crack, por exemplo, pega automaticamente cinco anos de prisão, sem redução possível. Associações de juízes também protestam contra as penas de prisão obrigatórias, que limitam os magistrados ao papel de carimbadores de sentenças que não podem ser abrandadas. São comuns casos como o de Gloria van Winkle, mãe de dois filhos, condenada a prisão perpétua ao ser presa com 40 dólares de cocaína. Como era sua terceira condenação, pela posse de drogas - a lei dos "three strikes" -, a prisão torna-se compulsória pelo resto da vida. Só na Califórnia há 30 mil pessoas condenadas dessa forma. É demais? Claro que não, diante do quanto as drogas são destrutivas - destroem o ser humano, a família, a propriedade, a sociedade e o país.
É necessário que as pessoas tenham a real dimensão do poder destrutivo das drogas e o quanto elas alimentam a violência. Se nada for feito, pouco adiantará prender traficantes, sejam ricos ou pobres, posto que, cedo ou tarde, na dependência do custeio de bons advogados ou não, todos estarão de volta às ruas e inexoravelmente reincidirão. Também urgimos por autoridades públicas constituídas que sejam competentes, lúcidas, coerente, responsáveis, honestas e devidamente compromissadas com o bem comum. Chega de tanta incompetência!
Dr. Leví Inimá de Miranda - CEL MED REF
Perito Legista licenciado da Polícia Civil do RJ
Postado por MiguelGCF > IMPUNIDADE > VERGONHA NACIONAL
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