Apenas perguntei: "Você vivenciou os chamados "anos de chumbo" para poder afirmar isto"? E ele me respondeu que não precisava, pois também nunca viveu em Cuba e pode dizer que aquilo não lhe serve.
Como eu já estava querendo escrever sobre isto, estou aproveitando para postar neste grupo, também, onde alguém de fora há uns tempos se referiu aos "comunistas arrependidos" com desdém, se referindo a mim.
Caro R
Sabe por que você nunca viveu em Cuba? Porque os militares, a pedido da população, abortaram a tentativa de fazer do Brasil uma Cuba, pelos mesmos que hoje, na "democracia petista", estão no poder e vão tentar de novo, pode ter certeza. A frase do Olavo de que "a democracia leva à ditadura" é o que talvez venhamos a experimentar em breve e são as verdadeiras intenções dos "democratas" Zé Dirceu, Genoíno e caterva. Pois eu vivi intensamente aqueles anos: em 64 eu já estava no segundo ano da Faculdade, era Vice-Presidente do Centro Acadêmico e, obviamente, como qualquer babaca daquela época, de esquerda, da AP (a mesma do Serra).
Estive foragido alguns dias, e fiquei dois meses preso. Perdi um ano de estudos. E me desencantei. Com as esquerdas, não com os militares. Em 68, inicio do ano, foi oficialmente lançada a "luta armada". Eu participei das reuniões com gente vinda de Cuba, não é mentira não, eles estavam aqui fornecendo dinheiro e armas tchecas para tornar o Brasil uma outra Cuba a serviço de Moscou, como a original. Não era nada de democratas em luta contra uma ditadura como hoje dizem: eram comunistas querendo instalar uma verdadeira ditadura totalitária! Eu estudei os textos, meu chapa, não ouvi falar nem li em livrecos idiotas escritos por ex-seqüestradores. Sabe o que nos era indicado para ler? Mao Tse Tung, Ho Chi Min, Nguyen Vo Giap, Lenin, Che, Fidel e, como não podia faltar um francês, Régis Debray, o tal da "Revolução na Revolução". Como descobri que eu era, autenticamente, um democrata – mas sem negar os riscos da democracia -, pulei fora e, acredite, meus "cumpanheiros democratas" me ameaçaram, a mim e à minha então namorada. Como eu sou um ávido leitor de livros policiais e de espionagem, inventei uma carta colocada no cofre de três advogados com todos os nomes e esquemas, para ser entregue no quartel mais próximo, caso algo ocorresse comigo ou com ela... e me livrei das ameaças!
Eu frisei que isto ocorreu no início de 68, porque hoje é dito que a luta armada foi desencadeada contra o endurecimento da ditadura com o AI 5, quando foi justo o oposto: o AI 5 foi conseqüência do desencadeamento da luta armada! Você me diz, com toda a sapiência de historiador: "Heitor, história é história". E eu te respondo: história é um troço escrito por gente e, como tal, cada um puxa a brasa para a sua sardinha. Os reais vencedores de 64 foram os que escreveram estas mentiras que você, como tantos outros democratas sinceros, engole com facilidade!
Pois no Governo Castelo Branco - que hoje reputo como o maior estadista brasileiro do Século XX (tenho engulhos quando ouço dizerem que este idiota pomposo do FHC é estadista!) - e também nos primeiros anos do Costa e Silva, o Brasil era uma efervescência cultural. No teatro surgiram grupos como o Opinião que atacava publicamente o regime. A peça "Liberdade, Liberdade" era um libelo contra a "ditadura". Surgiu "O Pasquim" que ironizava os "milicos" e o Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto) com seu FEBEAPÁ (Festival de Besteiras que Assola o País - como faz falta hoje em dia!) que não poupava ninguém. Juca Chaves, ácido crítico dos militares (sua modinha "Brasil já vai à guerra" devia irritá-los profundamente), cantava à vontade.
Aliás, ainda em 70 (Governo Médici), ele dizia o que bem entendia no Circo Irmãos Sdruws, no Parque da Catacumba, na Lagoa Rodrigo de Freitas, Rio. Isto não é história escrita, eu fui a três shows.
Ocorreram os Festivais da Canção, com as músicas anti militaristas de Geraldo Vandré - hoje um puxa-saco dos "milicos" da FAB - e as do Chico Buarque, entre muitas outras...
O Caio Prado Jr, comunista de carteirinha, publicava em sua Editora o que bem queria, bem como a Ed. Civilização Brasileira. A velha editora do PCB, a Editorial Vitória Ltda, editava e distribuía livros de Marx, Engels e Lenin. Sua sede ficava na antiga Rua das Marrecas (hoje voltou a se chamar assim), à época Rua Juan Pablo Duarte, no Centro do Rio, num sobrado que tinha sido a sede do Partidão no Estado da Guanabara. Isto, meu caro, não é história, fui à minha estante agora mesmo buscar um livro editado em 64 e que eu comprei livremente, em livraria aberta, em 1970 (Médici): "A origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado", do Engels, de quem Marx era gigolô. Em 1971, comprei da Editora Saga, também de orientação comunista, "A História da Revolução Russa" de Leon Trotski, em 3 volumes de lombada vermelha, como sói!
Se você não me chamar de mentiroso, ou como fez com a A. e o P., levar no sarcasmo hostil, vê se abre a tua cachola para algo que não seja a "história oficial".
Houve sim uma guerra revolucionária em que ambos os lados mataram. Por que raios só os de um lado hoje recebem comendas, indenizações e aposentadorias milionárias, status de pobres vítimas; e os do outro são desmoralizados, suas corporações são sucateadas - como se mantê-las fosse só do interesse deles e não da Defesa Nacional, cáspite! - têm seus soldos achatados e suas aposentadorias ameaçadas de serem tungadas para sobrar dinheiro para o BNDES mandar para a Venezuela?
Adiantando-me a algumas idiotices que já ouvi: não, meu caro, não sou puxa-saco de milicos nem o Olavo de Carvalho é meu guru. Estou numa situação curiosa na qual a "tchurma" da esquerda me chama disto aí, e os nacionalistas de direita me chamam de entreguista porque não concordo com anti-americanismo obsessivo reinante. Incrível, não?
Para terminar, um pouco só de teoria histórica. Hanna Arendt - que já não é lida, sequer conhecida dos modernos "historiadores" - fez uma diferenciação entre regimes autoritários e totalitários, diferenciação esta que as esquerdas execram, pois põe a nu suas mentiras: "Os primeiros são regimes [como o de 64] em que alguns são perseguidos, mas não se impõem o pensamento único [tanto que a esquerda venceu no terreno "intelectual"]. Os outros são aqueles em que se impõe o pensamento único do qual não pode haver a mínima discordância [... senão, paredón!]. Nos primeiros, a imprensa é censurada [o que ocorreu aqui]; nos segundos, a imprensa é totalmente destruída só sobrando o órgão do Partido condutor das massas [seja o Pravda, o Granma, o Vöelkischer Beobachter ou o Popolo d'Italia]."
Leia algo mais dos que as cartilhas oficiais, que você só tem a se beneficiar.
Heitor de Paola - psiquiatra e psicanalista.
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