Editorial
Chávez chamava de fascista o antecessor de Zapatero, José Maria Aznar, do conservador Partido Popular, que ascendeu ao poder em eleições livres, governou a Espanha de 1996 a 2004, dentro dos estritos cânones democráticos, e transferiu normalmente o governo ao adversário também vitorioso numa eleição livre. Para essa reencarnação mameluca de Mussolini, que acaba de completar o aparato institucional da sua ditadura perpétua, Aznar teria apoiado o golpe de opereta que, em abril de 2002, o afastou por algumas horas do Palácio Miraflores - onde o coronel tentou se instalar pela primeira vez mediante um golpe militar. (No domingo, antes de deixar o Chile, ele faria a mesma acusação ao rei Juan Carlos.)
Como era de esperar, recebeu a solidariedade de Fidel Castro, que não perdoa aos espanhóis, de direita ou de esquerda, o seu empenho em favor dos direitos humanos espezinhados em Cuba, apesar dos fortes investimentos da Espanha na ilha. No sábado, Zapatero não se conteve diante dos insultos do venezuelano a Aznar. "Senhor Chávez", argumentou - ou melhor, tentou argumentar, porque o outro não cessava de interrompê-lo -, "podem-se ter pontos de vista opostos a uma posição ideológica de uma pessoa, e não serei eu quem estará próximo às idéias de Aznar, mas ele foi eleito pelos espanhóis." E completou, sob aplausos: "Para sermos respeitados, não podemos nunca desqualificar essa pessoa."
Vai sem dizer que o truculento aspirante a ditador, Hugo Chávez, jamais se pautou por essa norma elementar de convívio político civilizado. Ele é assim, violento por natureza e destituído de senso de medida. Já antes do incidente com os espanhóis ele poderia ter provocado outro, se o presidente Lula da Silva tivesse tomado como "gozação" o "título" de magnata do petróleo que lhe outorgou, em explícito tom irônico. De resto, o comportamento de Chávez, característico dos megalomaníacos, contribuiu para tornar mais espetaculoso o rotundo fracasso da 17ª Cúpula Ibero-Americana.
Dizemos "mais espetaculoso" porque não se esperava, evidentemente, que a reunião produzisse qualquer resultado positivo, dada a evidência cada vez maior de que a união continental continua sendo apenas um sonho de Simón Bolívar.
Mas, já não bastassem as políticas desagregadoras do caudilho venezuelano, a Cumbre de Santiago revelou um inesperado agravamento das tensões entre a Argentina e o Uruguai, devido à polêmica decisão do presidente Tabaré Vázquez de autorizar o funcionamento de uma poluidora fábrica de celulose, do grupo finlandês Botnia, em Fray Bentos, às margens do Rio Uruguai, na fronteira dos dois países. Não é coisa de somenos. Trata-se de um empreendimento de US$ 1,2 bilhão, o equivalente a 9% do PIB da república oriental. Esse contencioso, que se arrasta há dois anos, será julgado em fins de 2008 pela Corte Internacional de Haia, à qual Buenos Aires recorreu. Na sexta-feira, em plena cúpula, Vásquez deu o sinal verde para o início das operações da papelera.
O dirigente uruguaio nem sequer se deu ao trabalho de informar previamente o colega Néstor Kirchner - que soube da má notícia pela internet e retrucou, agastado, que o outro "passara dos limites". Nunca antes na história das relações entre países latino-americanos se ouviu um chefe de governo dizer algo do gênero a outro. Muito menos na breve história do Mercosul, no qual Argentina e Uruguai são parceiros nominais. A iniciativa uruguaia deixou falando sozinho o rei espanhol, cuja mediação a presidente do Chile, Michelle Bachelet, havia solicitado, depois de consultar as partes. A "guerra da celulose" só tende a se agravar.
Postado por MiguelGCF > Impunidade > Vergonha Nacional
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